terça-feira, 31 de outubro de 2006

Tessitura sobre tela


 
Séries Indianas (2003)
O.S.T. 104 x 40cm

Traços simples que delineiam
toda a harmonia
das formas da mulher,
linhas da poesia do criador.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Tessitura poética


 
             Os nossos olhos


Olhos!
São eles os nossos horrores,
e terrores-faróis que,
como mil sóis,
em falência de mil buracos negros,
nos avilta e multiplica.

São eles, os olhos
dos corpos sem órgãos que,
na ambição insana,
a todo instante nos engana.
Eles, os olhos,
que trespassa as almas,
com os mesmos negros holofotes mortos
que ao naufrágio leva os nossos amores.

E a nós,
cabe-nos seguir o caminho
indicado pelos olhos,
navegantes errantes que somos,
abjetos nautas em rotas de fuga
rumo ao engodo cósmico que nos suga.

Os nossos olhos,
Singularidade que a tudo absorve,
E nada devolve...
Buracos negros...
Buracos negros...
Buracos negros...



sexta-feira, 13 de outubro de 2006

A máquina do tempo


 

Ela existe. Sim, a Máquina do Tempo existe, e não é um trambolho maluco cheio de botões, luzes piscantes, cronômetros endoidecidos, que viaja no tempo em rodopios alucinantes. Talvez por a procurarmos com essas características, não a encontramos.

Encontrei-a, e reencontrei-a, muitas vezes, entranhada nas folhas finas do papel dos livros.
Estes dias mesmo, mais uma vez, ela regurgitou diante de mim, inteiro, Eça de Queiroz. Desta vez foi o Eça; e sempre, quando quero, ela regurgita do passado um alguém. Às vezes ela me leva ao futuro, pois que é a Máquina do Tempo.

No presente momento, nós aqui do Brasil, estamos tendo uma espécie de nova chance, indo para um segundo turno das eleições, quem sabe com a oportunidade de nos desvencilharmos da já desgastada República PenTelhista, que nos tem legado tristes momentos.

Bem! E o que tem a ver Eça de Queiroz com a nossa política? Eu disse! Ele veio pela máquina entranhada numa folha de papel, e depositou nas minhas mãos o seguinte trecho por ele escrito em 1871. Naquele tempo ela falava do seu Portugal querido. Viajando no tempo, dando uma olhada pelo que acontece por aqui, ele achou por bem não retocar nada. Respeito-o, e nada retoco. Serve para o Brasil; se serve para o Portugal de hoje, que o diga lá os meus queridos amigos portugueses.

Eis o Eça: “O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas idéias aumenta a cada dia. A ruína econômica cresce, cresce, cresce... A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das escolas é dramático. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. Não é uma existência; é uma expiação. Diz-se por toda parte: ‘O país está perdido!’”

E, diante de Eça, eu me calo.




quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Tessitura sobre tela


 

Tocaia 2001
O.S.T. 80 x 60 cm.

Um olhar na vigília da noite.
Angústia, talvez.
Trabalho.
Traição anunciada.
Solidão apenas.
Espreita para a morte.
O olhar duro do homem a todo incerto momento.

sábado, 7 de outubro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos -13


 

(parte 13)

Eu e Leonor líamos no mesmo ritmo, e tão absortos estivemos na leitura da fotonovela que esquecemos do que havíamos combinado: eu leria as falas do homem, e Leonor as da mulher.
Terminada a leitura, tendo a última página à nossa frente, eu não desviei os olhos da última fotografia. Leonor recostou-se no banco, a cabeça levemente inclinada para trás, e os olhos fechados. Ficamos assim, em silêncio, por longos minutos. Por fim, ela, numa explosão que em outras circunstâncias teria me assustado, repetiu seguidamente que era injusto. Era injusto que uma história de amor terminasse assim; ela já sabia que o que mais as pessoas procuravam era alguém para amar e junto com esse amor serem felizes, o quanto mais pudessem. Por isso, achava injusto que quando dois amantes verdadeiros se encontrassem, um deles viesse morrer de maneira tão absurda, assim tão logo tenham se encontrado, e sem terem tido a chance de viverem o seu amor.
Ouvi-a dizer tudo o que ela tinha para dizer, e concordava com tudo. Da minha parte, numa tentativa de amenizar-lhe a exasperação, disse que desconfiava de todos os finais das histórias dos contos de fadas relativas ao amor entre príncipes e princesas, com seus finais felizes. Disse-lhe que por tudo que eu já havia lido e do que já sabia da vida e do mundo, príncipes e princesas eram pessoas raras, mas mesmo assim, na vida fora dos contos de fadas nem tudo, ou nada, era como ali era contado. Príncipes e princesas se casavam muitas vezes forçados por interesses que não era o dos seus sentimentos, e que o amor, se viesse a surgir entre os dois pobres coitados, era o mesmo amor que atingia qualquer coração que não pertencesse à realeza. E mais. Por alguns livros que eu já havia lido, muitos reis e rainhas, príncipes e princesas da vida como ela é, não viveram felizes para sempre, mas foram guilhotinados, enforcados ou fuzilados, coisa que jamais haviam pensado que aconteceria nas suas vidas. Era assim que eu pensava, e Leonor me olhava o tempo todo de esguelha, lembro-me. Hoje eu imagino que ela pensava que eu era apenas um menino que desconhecia os apelos do amor.
Esses meus argumentos não amenizaram os sentimentos da Leonor quanto ao fim dado à novela. Ela retrucou que se o amor era tudo o que diziam a respeito dele, era um sentimento que deveria ter tudo a seu favor, que todas as coisas, até mesmo as doenças e a morte deveriam respeitar o amor e dar chances para as pessoas serem felizes quando com ele se encontrassem. Dizia que, por tudo o que ela já sabia, esse era o sentimento mais desejado e procurado pelas pessoas, e que estas, quando falavam do amor, como ela já o havia percebido, falavam dele como algo muito sagrado e maravilhoso. E que ela iria querer viver o mais que pudesse quando encontrasse o seu verdadeiro amor; queria viver com ele todas as coisas boas ou ruins da vida, mas queria ter vida longa ao lado desse amor. Depois disso, ficamos mais alguns momentos em silêncio, cada qual ruminando os seus pensamentos, suas sensações.
Éramos crianças. A leitura concentrada havia nos roubado toda a atenção. Mas, agora, algo muito maior que os nossos arroubos literários, nos impelia para as trivialidades da vida. Nossos estômagos nos lembravam da fome, e isso veio de forma contundente. Quase ao mesmo tempo nos lembramos disso. Primeiro foi a Leonor que, rompendo mais esse silêncio, disse de uma maneira desconcertantemente doce que estava com fome, que tudo aquilo tinha lhe dado uma fome de leoa. Lá comigo eu pensei que eram as horas que haviam passado rápido demais para dela nos apercebermos, e o que acontecia é que já estaria mesmo na hora do almoço. Mas nada disso eu lhe disse. Apenas concordei com ela e me prontifiquei a organizar a nossa volta para a casa onde deveria estar servido o almoço.
Estávamos quase saindo do pomar, carregados com os volumes de revistas, quando cruzamos com um moleque que passou por nós, esbaforido. Sem diminuir sua correria ele nos disse que todos já haviam almoçado, e que estavam procurando por nós. Cruzamos com outras crianças, já ocupadas com suas brincadeiras.
Quando nos aproximamos do lugar onde eram servidas as refeições, realmente, éramos os últimos. Fomos servidos, e almoçamos em silêncio, mais devido à Leonor que se mostrava inusitadamente pensativa.





quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Tessitura poética



Tudo é relativo


Não há objeto,
não há sujeito
na subjetividade
da existência.

Tudo é relativo.

Diferentemente formadas matérias,
e datas e velocidades
de tempo diferentes.

Tudo é relativo.

Negligencia-se as
excentricidades
e as exterioridades.
E fabrica Deus
os ateus aos movimentos
cósmicos e aos seus
estratos segmentares,
pelas fugas lineares,
ou circulares.

E tudo é relativo.

Tudo precipita,
e rompe num
retardamento relativo
na viscosidade da
morte em ruptura.

E tudo é relativo.

No escoamento do tempo
do agenciamento
que não é atribuível:
tudo é relativo substantivado
no arbitrário da existência.

Tudo é relativo.








segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Apresentando um amigo - Final

(última parte)

Por falar em brinquedo. O Mô tem o seu preferido. Na foto aí ao lado ele aparece com uma das suas bolas. Porém, “jogador” exímio que é, - joga com a simpatia humana – tem preferência por um dado de plástico, amarelo, cor da amizade, de uns 5 centímetros de lado. Adora trazê-lo até a qualquer um de nós, e espera que o tiremos da sua boca, ou o deposita em nossas mãos, e que o atiremos para que busque. Creio que não saiba ler números, e o fato de nos ver lançar-lhe o dado equivale a um lance para a sorte da simples felicidade canina. Faz isso duas a três vezes. Que dizer que não é um cãozinho chato, pois não abusa da nossa paciência.
As pessoas costumam dizer que ele é muito inteligente. Também achamos. Cremos, mesmo, que se fosse amestrado faria inúmeros truques. Não o queremos amestrado. Queremos que ele faça as coisas próprias de um cãozinho, sem a interferência humana no seu comportamento, exceto aquelas que, pelo convívio, creio que ele perceba que é o melhor a fazer aos olhos humanos; nossos, portanto. Isso que dizer, entre outras coisas, que, sem que lhe ensinássemos, escolheu o seu lugar exclusivo para fazer suas necessidades. Isso à noite, pois durante o dia o levamos a passear. É aí que não há limites para a sua demarcação de território que expande segundo o conteúdo da sua bexiga, quase nunca vazia de todo. Quando isso acontece, raramente, risca o chão com as patas, sacode-se todo para deixar cair alguns pêlos, rosna, torna a riscar o chão, rosna, olha para nós procurando aprovação, e seguimos adiante. Ele, com uma felicidade expressa na carinha. Nós, também.
Suspeita que algumas coisas nos façam tão bem quanto devam fazer a ele.

Pois é. Assim é o Mô, essa solidária felicidade canina que conosco convive, e que faz pouco mais de um mês acolheu neste seu território a pequenina Duca. Isso mesmo. Um dos vizinhos possuía uma cadelinha, de longe assemelhada ao Mô, pelo menos na cor. Ela teve uma ninhada de cinco filhotes. Um dia, o menino bateu à nossa porta procurando pela nossa filha. Quando ela retornou para o interior da casa, trazia nas mãos uns atrevidos olhinhos caninos.
De novo, alguns hummmmssss, nossos. Bem, ela ficou, e acabou sendo batizada como Duca.
O Mô, lá com seus códigos caninos, primeiramente a rejeitou de uma forma veemente, mais que a nossa. Porém, percebendo que ela ia ficando e que seria uma excelente companhia para muitas brincadeiras, por fim a aceitou. Vivem juntos: comem, passeiam, se divertem, tomam banho, dormem, recebem e dão carinho, juntos. São amigos, por fim, o que é uma outra história.

Pois é. Os vizinhos tinham uma cadelinha, mãe da Duca. Ela, um dos seus filhotes lindos, um gato, morreram envenenados. Ficamos consternados, e preocupados. Não queremos perder o Mô, e agora também a Duca, não desse modo. Nós os tratamos como se fossem animais criados em apartamento. Felizmente temos espaço caseiro melhor do que teríamos num apartamento, creio. Assim, só saem para o quintal ou para a rua acompanhados por algum de nós.
Neste mesmo blog eu já afirmei que este lugar, esta cidade, é um lugar de paz. Não deixa de ser, apenas representa um enorme perigo para os nossos animais de estimação que adorariam ter mais liberdade, sem se exporem à armadilha covarde de um naco de carne envenenado.
Eu adoraria encerrar esta não breve apresentação desse serzinho canino maravilhoso, não tendo de dizer que, nada menos de duas vezes conseguimos socorrê-lo a tempo. Posted by Picasa