quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Tessitura poética



Desencontros


Tenho fome,
tenho sede,
imensas.
E colho os devires incertos,
frutos do tédio da busca por teu rosto.

De ti, que povoas
todos os momentos
constantes
de toda minha existência,
tenho fome,
tenho sede.

Onde procurar-te,
onde encontrar-te?
Na travessia dos
mares das águas
ou das areias dos desertos todos;
aquém ou além
das linhas longitudinais
ou transversais
da cósmica esfera?
É tanta a minha espera!

Habitas tu
o mesmo concerto do tempo
que a mim revela?
Ou perdidos somos
no espaço cósmico
nos desconcertos do tempo.

Tenho fome,
Tenho sede de ti.
Tu, que povoas todos os meus sonhos.


terça-feira, 21 de novembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 15


 
(Parte 15)

Ao contornarmos uma moita que se interpunha ao nosso caminho, paramos como que extasiados. Passada a surpresa, nos olhamos, sorrimos agraciados, e lentamente nos aproximamos de uma pitangueira carregada de frutas deliciosamente vermelhas, maduras, portanto. A pitangueira era quase da nossa altura, e seus frutos, em plena maturação, pareciam tenros e macios. Depois de comentarmos a sorte por temos tomado esse caminho, começamos, sem pressa alguma, a comer dos frutos, doces e suculentos. Riamos felizes com o achado.
Num dado momento, Leonor sugeriu que colhêssemos cada qual um punhado de pitangas, e fôssemos para a árvore. Eu estava curioso pelo que minha amiga pretendia mostrar-me.
Por fim, chegamos. A árvore, para o seu padrão, era alta, porém, não oferecia dificuldades para escalá-la. Por ter crescido sozinha, e não ter tido a necessidade de disputar luz com outras árvores próximas, seus galhos começaram e se formar próximos do chão. Leonor, ainda no chão, indicou-me por onde subir. Mostrou-me os galhos pelos quais eu deveria passar, e indicou-me exatamente o ponto onde eu deveria ficar. Ela sabia como ninguém, aguçar a minha curiosidade. Subi primeiro, seguindo os conselhos de Leonor, que vinha logo atrás. Ao chegar ao ponto por ela indicado, fiquei encantado com a vista que dali se descortinava à nossa frente. O galho e a posição em que estávamos nos deixavam num lugar da copa o mais alto possível de se ir com segurança, e ficávamos como se fosse em uma janela que nos permitia ver longe. A árvore ficava no topo da colina em que estávamos. Por isso, o declive à nossa frente aumentava a sensação de altura, e o horizonte se estendia a perder de vista.
Depois de passada a surpresa da visão, Leonor indicou-me um ponto distante, por entre duas colinas. Via-se, ao longe, a torre e o telhado de uma igreja, e os telhados de algumas casas que sobressaiam entre arvoredos. Lá, disse ela, era onde se realizaria a cerimônia do casamento. Próxima da igreja, disse ela, ficava a escola na qual ela, os irmãos, os primos e algumas outras crianças da região, estudavam. Disse que era apenas desse lugar em que estávamos que poderia ser visto o vilarejo. Que um dia em que se aventurara por ali em busca de frutas silvestres, viu a árvore e procurou nela um lugar no qual pudesse vir para estar a sós, se o seu lugar no alto da mangueira fosse descoberto e não fosse mais somente seu, e agora também meu, dizia ela. Não havia encontrado o tal lugar. Disse que estava por descer quando, por puro acaso, decidiu ir até esse galho onde estávamos, e descobriu esse lugar maravilhoso. Disse que essa árvore era especial na sua vida, e que lhe dava chances de ver longe.
Nesse instante, lembrei-me de que o padre que oficiaria a cerimônia de casamento, não seria outro senão o bom amigo padre Diderico. Eu teria ido à cerimônia se houvesse me lembrado disso antes. Comentei algo com a Leonor, e ela disse-me que o padre havia confirmado a sua presença no jantar de logo mais.
Conversamos sobre outras coisas, e Leonor, aos poucos, foi ficando um pouco pensativa, como que a ruminar pensamentos. Logo, sugeriu que descêssemos. Eu a segui, já algo apreensivo com o que estaria preocupando Leonor. Desde a leitura da fotonovela, a minha amiga vinha tendo esses momentos em que ficava absorta nos seus pensamentos, e até agora não havia me falado nada a respeito.
Íamos na direção da pitangueira, para mais uma colheita de frutas quando, bem à nossa frente, surgiu outra agradável surpresa.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Tessitura poética


 
Circularidade


Por que suspiras à liberdade,
se escravo fazes de ti mesmo?
A quem obedeces, senão a ti?

Da passional racionalidade
subtrais teu martírio
no constante
angustiante delírio
cogitante.

Sofro, dizes tu.
E ando, respiro e sinto,
dizes tu,
nessa interioridade delirante;
sessões segmentares,
lineares.

Freqüências e ressonâncias
nessa dualidade
milpartida
em redundâncias.

Existência torturante,
idiossincrasia que arrebata,
na bipolaridade ondulante,
incerta, e para além da
consciência, e da paixão que mata,
porque suspiras a liberdade.


sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Tessitura sobre tela


 

Alegorias de Angola VII (2003)

O.S.T.  52x48cm

Linhas, cores, tons
e matizes da
Ecologia de um povo,
numa África de muitas vidas.





terça-feira, 7 de novembro de 2006

Tessitura poética




No Sul


Há,
No Sul,
Um florido caminho.

No ar,
constante,
envolvente,
a música que chega
com o vento.

Pássaros,
voam, planam, gorjeiam,
felizes cantores.

Riachos límpidos
rumorejam ligeiros
suas presenças.

O verde
balança,
lento,
saudando a brisa.

O homem, velho,
sabiamente sorri,
sereno.

Há música
no ar,
constante.

Existe
esse lugar
onde habita
a paz.

Lá!
Longe!
No Sul.










quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 14


 

(Parte 14)

Tudo urgenciava nos preparativos para o grande jantar que se seguiria ao casamento. Meus pais, como estavam plenamente envolvidos no preparo das comidas, certamente não iriam à cerimônia, nem os pais de Leonor, que se prontificaram a fazer as honras da casa para que os primos, pais do noivo, cumprissem seus compromissos no casamento do filho. Essas eram apenas umas das razões por eu e Leonor termos decidido não irmos à cerimônia. Numa conversa que tivemos, chegamos à conclusão de que todos os casamentos eram iguais. Leonor havia mesmo pensado em ir para ver a noiva entrando na igreja, mas voltou atrás quando lembrou-se de já a ter visto usando o vestido, numa das últimas provas que fizera. A viagem em cima de um dos caminhões era um atrativo para mim, mas eu somente iria se Leonor fosse. Assim, o fato de irmos ou não ficou ao seu encargo decidir. Não iríamos. Depois da nossa leitura da fotonovela e do inusitadamente silencioso almoço a dois, ela, além de digerir os alimentos, ruminava idéias.
Tanto, que assim que percorremos os vários lugares onde se desenrolavam a febril atividade dos preparativos, Leonor tomou-me a mão desta vez e arrastou-me consigo. Atravessamos pastos e lavouras até que eu percebi que estávamos nos limites das terras das suas famílias, pois estávamos diante de uma cerca e, do outro lado, um pasto abandonado que já estava sendo tomado por variedades de arbustos formando uma espécie de capoeira. Atravessamos a cerca.
Leonor dava passos decididos à frente, numa linha em zigue-zague, desviando-se dos arbustos. Paramos diante de um esplêndido pé de guabirobas repleto de frutas; as minhas frutas silvestres preferidas. Estavam verdes, porém. Esse fato foi motivo de uma enorme decepção da minha amiga que disse contar que encontraria algumas frutas maduras. Disse, ainda, que aquelas frutas eram as mais doces das quais havia saboreado; que havia outros pés por ali, mas nenhum igualava e esse que, além de frutos graúdos, carnosos, eram deliciosos. Realmente, próximo dali havia algumas outras guabirobeiras das quais nos aproximamos em busca de algum fruto maduro. Não os havia, e pude constatar de que, pelo menos no tamanho, seus frutos não se comparavam aos do primeiro pé. Minha amiga lamentou que não houvesse frutos maduros, mas que eu provaria deles. Disse que talvez ainda demoraria uns quinze dias para começarem a amadurecer, mas que enviaria por meu pai uma porção de frutos daquele pé especial, e outra porção dos demais pés; nem se daria ao trabalho de identificar cada porção, que eu, ao prová-las, saberia de quais pés seriam, tanto pelo tamanho como pela doçura. Eu sabia que ela faria isso.
Dali mesmo de onde estávamos avistamos um marmeleiro carregado de frutos. Dele nos aproximamos esperançosos. Havia belos marmelos, verdes. Outra decepção.
Leonor disse que queria mostrar-me algo, e apontou na direção de uma única árvore que havia por ali, e que ficava, talvez, a duas centenas de metros de onde estávamos. Para lá nos encaminhamos.