terça-feira, 20 de fevereiro de 2007




Mugido vacum
Sobre o pasto verde.
Branco leite bom.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Haikai


No zás! Rasante!
O que borboleta era,
Bem-te-vi é!


¡En zás! ¡Rasante!
Lo qué mariposa era,
¡Bem-te-vi es!

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Tessitura poética

Circularidade


Por que suspiras à liberdade,
se escravo fazes de ti mesmo?
A quem obedeces, senão a ti?

Da passional racionalidade
subtrais teu martírio
no constante
e angustiante delírio
cogitante.

Sofro, dizes tu.
E ando, respiro e sinto,
dizes tu,
nessa interioridade delirante;
sessões segmentares lineares
de todas as tuas
multiplicidades.

Freqüências e ressonâncias
na dualidade
milpartida
em redundâncias
por todas
e em todas as
diferenças e repetições
circularizantes.

Existência torturante,
idiossincrasia que arrebata,
na bipolaridade ondulante,
incerta, e para além da
consciência, e da paixão que mata,
porque suspiras a liberdade.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Chronos, devorador de vidas e de sonhos – 18



(Parte 18)

Bebemos até fartar-nos. Depois, cada qual no seu lado do pequeno regato, nos deitamos de costas, tendo diante dos olhos a imensidão azul do céu, os sentidos todos gozando a sedução da natureza.

Para assim deitarmos, havíamos soltado as mãos. Mal nos deitamos, Leonor estendeu seu braço esquerdo na minha direção. Compreendi o que ela queria. Tomei-lhe a mão, e elas mergulharam no frescor das águas que passaram a produzir um suave marulho que se juntou a todos os sons da natureza circundante.

Lembro-me de ter fechado os olhos, e ter entregue os meus ouvidos para todos os sons possíveis de ali acontecer, desde o suave escorrer da generosa água, ao pipilar intenso dos pássaros, o grasnar de patos selvagens que provavelmente celebravam a vida em alguma lagoa próxima, a brisa soprando leve por entre as folhas de algumas palmeiras ali existentes, os grilos na sua perene cantoria, uma infinidade de sons que pareciam ter em si a magia do silêncio. Era o gozo pleno da vida.

Leonor somou sua voz a todos esses sons. Sem que eu perguntasse, disse-me que esse lugar continha inúmeras nascentes de água, e que havia outros pequenos regatos semelhantes a esse; que alguns deles, logo acima de onde estávamos, formavam uma lagoa que logo mais se juntava a outros regatos formando um córrego que ia desaguar no rio mais adiante. Que essas água eram especiais, e que havia gente que acreditava que elas tinham algumas qualidades minerais, que de vez em quando vinham buscar dessas águas, e não o faziam todos os dias devido à muita distância. Disse que o dono dessas terras tivera intenção de comercializar essa água, mas que, por alguma razão, desistira. Depois, Leonor silenciou.

Se ela gozava as mesmas sensações que eu, seria como se flutuássemos. Como se houvéssemos sido abduzidos para uma outra dimensão espacial e no tempo. Cheguei mesmo a pensar que a vida num possível paraíso era assim mesmo; um eterno e delicioso presente que se desgarrava do passado e do futuro para tão somente acontecer. Eu viveria ali, com Leonor, o resto todos dos meus dias. Eu gozava uma indescritível e bela onda de pensamentos.

E talvez tivesse sido abduzido para uma outra dimensão, se Leonor não estivesse me chamando para a prosaica realidade. Ela havia saltado para o meu lado e, debruçada sobre mim, sorrindo, perguntou se eu estivera dormindo. Eu disse que não, mas que estivera sonhando com todos os sentidos despertos. Sorridente e feliz, ela fez-me levantar, pois queria que eu visse algo.

O pequeno regato, ali onde estivéramos, era estreito; poderia ser transposto sem ter necessidade de saltá-lo. Bastava um passo mais alongado. Para perceber-lhe a fundura, mergulhei nele o meu braço que logo atingiu o fundo, e a sua superfície roçava o meu bíceps. Não mostrava o fundo, pois o chão sobre o qual escorria era de um tipo de argila escura, quase negra, firme, que não contaminava as águas. A relva ao redor, baixa e macia, chegava até a margem ao ponto de ter algumas folhas acariciadas pelas águas.

A um chamado de Leonor, caminhamos ao lado do regato, na direção da sua nascente. O fizemos por não mais que duas centenas de metros.

A nascente não era profunda; surgia vigorosa por entre alguns baixos arbustos, e aos pés de uma magnífica palmeira, da qual algumas raízes bebiam perenemente dessas águas vitais. As águas eram límpidas, e tão transparentes quanto o mais puro dos cristais. No fundo, e em vários lugares, uma areia clara e grossa borbulhava como que em eterna fervura. Dali, da fonte, bebemos um pouco mais dessa água.

De onde estávamos era possível ver trechos da lagoa mais adiante, onde os patos selvagens grasnavam despreocupados. Era interessante, mas em momento algum percebemos um som qualquer de alerta devido às nossas presenças. Era como se a natureza, ali, soubesse que dela fazíamos parte, que éramos, também, a ecologia do lugar.

Num repente, porém, Leonor aspirou o ar, com força, como se houvesse se assustado com algo. Virei-me, e a vi olhando para mim com uma enigmática expressão no seu belo rosto.