sábado, 4 de fevereiro de 2006

O olhos de Marina

Estava exausta. O elevador parecia estar demasiadamente lento. Ansiava chegar ao apartamento no 12º andar. Carregava um pesado mostruário de fotos. Acreditava que, com elas, iriam abrir-se-lhe as portas para a profissão de modelo fotográfico. Fizera-se independente. A família estava distante, numa pequena cidade do interior.
Nas agências que visitou, ouviu promessas, elogios, e comentários sobre seus olhos.
Era belíssima. O suave rosto emoldurado por magníficos cabelos negros. Os olhos eram quase da mesma cor. Sempre se admirara refletida no espelho, e nas fotos. Lembrou de nunca ter olhado para os seus olhos. Não atentamente, pelo menos.
Colocou as fotos num canto, banhou-se e, como estava cansada, foi deitar. Naquela noite, os olhos a perseguiram nos sonhos. Pela madrugada teve insônia, mas, procurou relaxar. Queria estar bem para as entrevistas de logo mais.
Novamente exausta. Havia recebido promessas, elogios, e nenhuma proposta real de emprego. Ouvira comentários sobre seus olhos. Teve outra noite de insônia, e pesadelos. Num deles, entrou num túnel negro e aterrador, de onde não conseguia sair. Eram os seus olhos. Acordou molhada de suor. Pela primeira vez sentiu-se incomodada, e teve medo.
Procurou refazer-se num longo banho. Ao espelho, mirou-se rapidamente nos olhos. Teve um estranho calafrio, mas relaxou. Teria novas entrevistas. Queria, precisava apresentar-se bem.
Intrigava-lhe, agora, os seus olhos. Mas, preocupar-se? Bobagem!
Mais exausta ainda, muito intrigada com as promessas e comentários sobre os seus olhos, Marina banhou-se e, nua como estava, espalhou as fotos pelo apartamento e olhou, uma a uma, demoradamente, nos olhos. A noite estava abafada. Abriu as janelas para entrar o ar fresco.
Voltou às fotos, olhando-as, uma a uma, nos olhos. No final, teve medo e calafrios. Intrigada e cansada, estirou-se na cama.
Adormecida, vieram os seus olhos agora medonhos e muito negros. Foram crescendo aos poucos, envolvendo-a. Sufocada, conheceu o terror.
Quase sem acordar, e pela janela aberta, Marina mergulhou no espaço e na madrugada.
Seus olhos não voltaram a ver as luzes da cidade.

Nenhum comentário: