sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

2006 ==> 2007


O que posso dizer do ano de 2006?

Aqui repetir, por mim, por meus familiares,
e por todos os meus diletos amigos,
a oração que repito,
diariamente,
sempre que posso.

E o que posso dizer do ano que virá, 2007?

Ao final desse outro ano, podermos, todos,
repetir essa mesma oração.


ABENÇOADO E BENDITO SEJAS,
SENHOR NOSSO DEUS,
QUE NOS MANTEVE VIVOS,
NOS SUSTENTOU,
E NOS TROUXE A ESTE MOMENTO DA VIDA,
QUANDO NOS FAZES COMPREENDER,
QUE O MUNDO MAIOR,
O MUNDO VERDADEIRO E MARAVILHOSO,
ESTÁ NA MENTE E NO CORAÇÃO
DE TODOS OS HOMENS.

SENHOR DEUS,
FIEL PAI,
ENSINA-NOS
TUDO AQUILO QUE AINDA PRECISAMOS APRENDER,
E NOS AJUDE, A APRENDER LOGO,
TUDO AQUILO QUE O SENHOR
QUER NOS ENSINAR.

ASSIM SEJA!

NOSSA ETERNA GRATIDÃO, PAI.

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Haikai


Cipreste morre

Enfeitado para a festa.

Brindou-se o Natal.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

MENSAGEM DE PAZ


O melhor e mais Feliz Natal
a cada um de vocês, meus amigos,
que trazem nos seus corações
o melhor que ali possa ter:
sentimentos pela PAZ,
AMOR pelo BEM,
solidários acenos,
amizade sem fronteiras,
um maravilhoso Universo interior.
Que os bons momentos
trazidos pelo Natal
perdurem o mais que possam
por todo o ano de 2007.

A cada um de vocês,
o melhor do meu abraço amigo,
que um dia, quem sabe,
romperá as fronteiras do virtual.

Até lá,
continuemos a nos ver
por aqui.

(O anjo e as lanternas aí da foto
são detalhes da decoração que fizemos
na frente da nossa casa.
O anjo foi idealizado e feito por minha
filha Renata. As lanternas foram
feitas por mim.
Tudo para que o Natal seja Iluminado,
e que também o seja em
nossos corações)

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Covardia humana



É com profundo pesar que faço esta postagem.

Acabamos de ter confirmada a notícia de que nosso amigo Mô,
o mais amigo dos caninos que tivemos, acaba de morrer, pois foi
covardemente envenenado. De nada adiantaram os nossos cuidados
todos, e toda a correria que tivemos para levá-lo à emergência
veterinária.

Sinceramente, qualquer coisa de mal que algum animal faça, o faz
pressionado por sua natureza animal. Já os homens...

Tessitura poética


Despercebidamente


Prazeroso é

falar como todo mundo fala,

dizer o sol nasce

quando se sabe que assim não é.

É prazeroso

espraiar-se indefinidamente

pela multiplicidade

engastada na singularidade

do que somos,

e ver ruir todas as

máscaras das quais dispomos.

Não ser mais nós mesmos,

aspirados, multiplicados

e suportados que somos,

é prazeroso.

E tão prazeroso é

não ter importância,

assim como não tem

importância dizer

ou não dizer que se é.

Prazeroso é pensar,

agir e experimentar

cada qual singularidade

incrustada na multiplicidade;

tanto, a tornar-se imperceptível.

E tanto, que se passa

despercebido

ao mais próximo

e ao mais distante

no tempo ao mesmo instante.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Haikai



A folha que cai
Ao soprar da ventania.
Outono escoa.




terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 16



(Parte 16)


Quando fomos até à árvore, não havíamos percebido o que agora se exibia à nossa vista, uma pequena pitangueira que mal chegava aos nossos joelhos. Ela se resumia em uma única haste que lhe servia de tronco, frágil e oscilante ao vento, e que nos encantou por sustentar uma única pitanga, no alto, e que se destacava por sobre as poucas folhas. A fruta, bem maior que qualquer uma das que havíamos colhido no outro pé, era de um vermelho intenso, e parecia ser apetitosa. Nos ajoelhamos para podermos ver melhor essa pequena pitangueira que parecia nos ofertar o seu único e talvez primeiro fruto. Lembro-me de termos falado dos encantamentos que a natureza nos provocava, e este era um desses maravilhosos encantamentos, algo que tanto nos enternecia. Entre outras coisas, eu disse à Leonor que essa pitanga não deveria ser colhida, pois pareceria uma agressão a tão pequena pitangueira, e que talvez quisesse ela manter para si esse único fruto. No entanto, por Leonor ser mais prática e ousada do que eu, antes que pudesse atinar ao que ela fazia, num único gesto colheu a fruta, e disse que pensava diferente, que achava até que a pequena pitangueira se sentiria ofendida por termos recusado o seu fruto, que as plantas existiam para ofertarem seus frutos a todos os outros seres que deles se alimentariam.
Depois, sorrindo o seu sorriso maravilhoso, delicadamente levou a pitanga à minha boca para que eu mordesse a metade. Assim fiz. Era suculenta, doce como o gesto dessa menina. Leonor comeu a outra metade, e também adorou. Em seguida, reteve o gesto de jogar fora a semente. Guardou-a consigo dizendo que escolheria um bom espaço no pomar próximo à sua casa, e lá plantaria a semente e cuidaria da planta que dela nascesse, e que ainda comeríamos dos seus frutos. Eu não tive dúvida alguma de que Leonor assim faria, e isso aumentava em mim a admiração que sentia por essa pequena.
Porém, ainda não estávamos satisfeitos, e rumamos para a outra pitangueira. Leonor caminhou na frente, em silêncio. Lá chegados, enquanto comíamos as frutas, ela ainda manteve-se quieta.
Percebi que ela me olhava com o canto dos olhos, como que a sondar-me. Depois, num repente, disse que já estava decidida, que já havia conversado com sua mãe, que sua mãe achava que ainda éramos crianças, mas, que ela, Leonor, não pensava assim. Eu olhava para Leonor e nada dizia, não entendia do que ela estaria falando. Depois desse quase rompante, calou-se e olhou-me de maneira intensa. Seu gesto seguinte foi buscar dentre as frutas a que lhe parecia a melhor. Colheu-a, e repetiu o gesto anterior de levar-me a fruta à boca, desta vez dizendo que essa fruta era somente minha, que a saboreasse inteira. Enquanto eu comia a fruta, Leonor olhava-me e parecia se divertir com isso. E queria saber se eu havia gostado. Eu disse que sim, que era uma fruta deliciosa.
Então, sem desviar os olhos dos meus, Leonor disse que se casaria um dia, mas que somente se casaria se fosse comigo, que era disso que ela havia conversado com sua mãe, que não se importava por sermos ainda crianças, e que quando crescêssemos, era comigo, sim, que ela se casaria, era comigo que queria viver toda a sua vida, e que seríamos felizes.
Enquanto ela dizia essas coisas eu apenas olhava para essa menina encantadora, e mesmo sem ter em momento algum pensado nessas coisas, surpreendi-me pensando que seria mesmo maravilhoso compartilhar minha vida com Leonor.
Creio que devo ter-lhe frustrado um pouco, pois nada lhe disse desses meus pensamentos, pois ainda eu me via um menino interessado apenas nas coisas de menino. Entre outras coisas, jogar futebol, empinar papagaio, jogar bolas de gude, pescar, fazer touradas de bezerros quando ia à casa de amigos que moravam no campo, as correrias pelos prados, as longas brincadeiras de salva-pega, e tantas coisas que eu adorava fazer e que me ocupava o tempo todo, e as fazia com imenso prazer. Para mim, casamento era algo que jamais havia passado por minha cabeça. Portanto, em algo éramos muito diferentes, assim pensei, mas sem deixar de sentir algo de estranho a aquecer-me o peito, sem saber o que isso era, pelo menos nesses instantes em que ouvia Leonor falar por nós dois. Creio, porém, que Leonor me conhecia e compreendia, e dava-se por satisfeita por também pensar por nós dois, se o assunto era casamento.
Num dado momento ela se calou, e fitava-me ostentando um sorriso delicioso, sem malícia, terno, talvez. Eu ainda me servia das pitangas. E em breve momento depois, disse-lhe que estava com sede.
Leonor disse que ela também. Tomou-me a mão, dizendo que iríamos beber água. E tomamos um caminho diferente daquele pelo qual havíamos chegado a esse lugar.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Haikai


Carvoarias.
Monturos negros ao chão.
A Devastação.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Haikai



Alvos revôos.
São garças que bailam.
Encantamentos!



domingo, 3 de dezembro de 2006

Tessitura cromática



Fayga III (2003)

O.S.T.
84 x 55 cm.

Linhas fragmentadas.
Equilíbrios e redundâncias.
Busca pela Harmonia.




quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Tessitura poética



Desencontros


Tenho fome,
tenho sede,
imensas.
E colho os devires incertos,
frutos do tédio da busca por teu rosto.

De ti, que povoas
todos os momentos
constantes
de toda minha existência,
tenho fome,
tenho sede.

Onde procurar-te,
onde encontrar-te?
Na travessia dos
mares das águas
ou das areias dos desertos todos;
aquém ou além
das linhas longitudinais
ou transversais
da cósmica esfera?
É tanta a minha espera!

Habitas tu
o mesmo concerto do tempo
que a mim revela?
Ou perdidos somos
no espaço cósmico
nos desconcertos do tempo.

Tenho fome,
Tenho sede de ti.
Tu, que povoas todos os meus sonhos.


terça-feira, 21 de novembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 15


 
(Parte 15)

Ao contornarmos uma moita que se interpunha ao nosso caminho, paramos como que extasiados. Passada a surpresa, nos olhamos, sorrimos agraciados, e lentamente nos aproximamos de uma pitangueira carregada de frutas deliciosamente vermelhas, maduras, portanto. A pitangueira era quase da nossa altura, e seus frutos, em plena maturação, pareciam tenros e macios. Depois de comentarmos a sorte por temos tomado esse caminho, começamos, sem pressa alguma, a comer dos frutos, doces e suculentos. Riamos felizes com o achado.
Num dado momento, Leonor sugeriu que colhêssemos cada qual um punhado de pitangas, e fôssemos para a árvore. Eu estava curioso pelo que minha amiga pretendia mostrar-me.
Por fim, chegamos. A árvore, para o seu padrão, era alta, porém, não oferecia dificuldades para escalá-la. Por ter crescido sozinha, e não ter tido a necessidade de disputar luz com outras árvores próximas, seus galhos começaram e se formar próximos do chão. Leonor, ainda no chão, indicou-me por onde subir. Mostrou-me os galhos pelos quais eu deveria passar, e indicou-me exatamente o ponto onde eu deveria ficar. Ela sabia como ninguém, aguçar a minha curiosidade. Subi primeiro, seguindo os conselhos de Leonor, que vinha logo atrás. Ao chegar ao ponto por ela indicado, fiquei encantado com a vista que dali se descortinava à nossa frente. O galho e a posição em que estávamos nos deixavam num lugar da copa o mais alto possível de se ir com segurança, e ficávamos como se fosse em uma janela que nos permitia ver longe. A árvore ficava no topo da colina em que estávamos. Por isso, o declive à nossa frente aumentava a sensação de altura, e o horizonte se estendia a perder de vista.
Depois de passada a surpresa da visão, Leonor indicou-me um ponto distante, por entre duas colinas. Via-se, ao longe, a torre e o telhado de uma igreja, e os telhados de algumas casas que sobressaiam entre arvoredos. Lá, disse ela, era onde se realizaria a cerimônia do casamento. Próxima da igreja, disse ela, ficava a escola na qual ela, os irmãos, os primos e algumas outras crianças da região, estudavam. Disse que era apenas desse lugar em que estávamos que poderia ser visto o vilarejo. Que um dia em que se aventurara por ali em busca de frutas silvestres, viu a árvore e procurou nela um lugar no qual pudesse vir para estar a sós, se o seu lugar no alto da mangueira fosse descoberto e não fosse mais somente seu, e agora também meu, dizia ela. Não havia encontrado o tal lugar. Disse que estava por descer quando, por puro acaso, decidiu ir até esse galho onde estávamos, e descobriu esse lugar maravilhoso. Disse que essa árvore era especial na sua vida, e que lhe dava chances de ver longe.
Nesse instante, lembrei-me de que o padre que oficiaria a cerimônia de casamento, não seria outro senão o bom amigo padre Diderico. Eu teria ido à cerimônia se houvesse me lembrado disso antes. Comentei algo com a Leonor, e ela disse-me que o padre havia confirmado a sua presença no jantar de logo mais.
Conversamos sobre outras coisas, e Leonor, aos poucos, foi ficando um pouco pensativa, como que a ruminar pensamentos. Logo, sugeriu que descêssemos. Eu a segui, já algo apreensivo com o que estaria preocupando Leonor. Desde a leitura da fotonovela, a minha amiga vinha tendo esses momentos em que ficava absorta nos seus pensamentos, e até agora não havia me falado nada a respeito.
Íamos na direção da pitangueira, para mais uma colheita de frutas quando, bem à nossa frente, surgiu outra agradável surpresa.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Tessitura poética


 
Circularidade


Por que suspiras à liberdade,
se escravo fazes de ti mesmo?
A quem obedeces, senão a ti?

Da passional racionalidade
subtrais teu martírio
no constante
angustiante delírio
cogitante.

Sofro, dizes tu.
E ando, respiro e sinto,
dizes tu,
nessa interioridade delirante;
sessões segmentares,
lineares.

Freqüências e ressonâncias
nessa dualidade
milpartida
em redundâncias.

Existência torturante,
idiossincrasia que arrebata,
na bipolaridade ondulante,
incerta, e para além da
consciência, e da paixão que mata,
porque suspiras a liberdade.


sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Tessitura sobre tela


 

Alegorias de Angola VII (2003)

O.S.T.  52x48cm

Linhas, cores, tons
e matizes da
Ecologia de um povo,
numa África de muitas vidas.





terça-feira, 7 de novembro de 2006

Tessitura poética




No Sul


Há,
No Sul,
Um florido caminho.

No ar,
constante,
envolvente,
a música que chega
com o vento.

Pássaros,
voam, planam, gorjeiam,
felizes cantores.

Riachos límpidos
rumorejam ligeiros
suas presenças.

O verde
balança,
lento,
saudando a brisa.

O homem, velho,
sabiamente sorri,
sereno.

Há música
no ar,
constante.

Existe
esse lugar
onde habita
a paz.

Lá!
Longe!
No Sul.










quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 14


 

(Parte 14)

Tudo urgenciava nos preparativos para o grande jantar que se seguiria ao casamento. Meus pais, como estavam plenamente envolvidos no preparo das comidas, certamente não iriam à cerimônia, nem os pais de Leonor, que se prontificaram a fazer as honras da casa para que os primos, pais do noivo, cumprissem seus compromissos no casamento do filho. Essas eram apenas umas das razões por eu e Leonor termos decidido não irmos à cerimônia. Numa conversa que tivemos, chegamos à conclusão de que todos os casamentos eram iguais. Leonor havia mesmo pensado em ir para ver a noiva entrando na igreja, mas voltou atrás quando lembrou-se de já a ter visto usando o vestido, numa das últimas provas que fizera. A viagem em cima de um dos caminhões era um atrativo para mim, mas eu somente iria se Leonor fosse. Assim, o fato de irmos ou não ficou ao seu encargo decidir. Não iríamos. Depois da nossa leitura da fotonovela e do inusitadamente silencioso almoço a dois, ela, além de digerir os alimentos, ruminava idéias.
Tanto, que assim que percorremos os vários lugares onde se desenrolavam a febril atividade dos preparativos, Leonor tomou-me a mão desta vez e arrastou-me consigo. Atravessamos pastos e lavouras até que eu percebi que estávamos nos limites das terras das suas famílias, pois estávamos diante de uma cerca e, do outro lado, um pasto abandonado que já estava sendo tomado por variedades de arbustos formando uma espécie de capoeira. Atravessamos a cerca.
Leonor dava passos decididos à frente, numa linha em zigue-zague, desviando-se dos arbustos. Paramos diante de um esplêndido pé de guabirobas repleto de frutas; as minhas frutas silvestres preferidas. Estavam verdes, porém. Esse fato foi motivo de uma enorme decepção da minha amiga que disse contar que encontraria algumas frutas maduras. Disse, ainda, que aquelas frutas eram as mais doces das quais havia saboreado; que havia outros pés por ali, mas nenhum igualava e esse que, além de frutos graúdos, carnosos, eram deliciosos. Realmente, próximo dali havia algumas outras guabirobeiras das quais nos aproximamos em busca de algum fruto maduro. Não os havia, e pude constatar de que, pelo menos no tamanho, seus frutos não se comparavam aos do primeiro pé. Minha amiga lamentou que não houvesse frutos maduros, mas que eu provaria deles. Disse que talvez ainda demoraria uns quinze dias para começarem a amadurecer, mas que enviaria por meu pai uma porção de frutos daquele pé especial, e outra porção dos demais pés; nem se daria ao trabalho de identificar cada porção, que eu, ao prová-las, saberia de quais pés seriam, tanto pelo tamanho como pela doçura. Eu sabia que ela faria isso.
Dali mesmo de onde estávamos avistamos um marmeleiro carregado de frutos. Dele nos aproximamos esperançosos. Havia belos marmelos, verdes. Outra decepção.
Leonor disse que queria mostrar-me algo, e apontou na direção de uma única árvore que havia por ali, e que ficava, talvez, a duas centenas de metros de onde estávamos. Para lá nos encaminhamos.


terça-feira, 31 de outubro de 2006

Tessitura sobre tela


 
Séries Indianas (2003)
O.S.T. 104 x 40cm

Traços simples que delineiam
toda a harmonia
das formas da mulher,
linhas da poesia do criador.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Tessitura poética


 
             Os nossos olhos


Olhos!
São eles os nossos horrores,
e terrores-faróis que,
como mil sóis,
em falência de mil buracos negros,
nos avilta e multiplica.

São eles, os olhos
dos corpos sem órgãos que,
na ambição insana,
a todo instante nos engana.
Eles, os olhos,
que trespassa as almas,
com os mesmos negros holofotes mortos
que ao naufrágio leva os nossos amores.

E a nós,
cabe-nos seguir o caminho
indicado pelos olhos,
navegantes errantes que somos,
abjetos nautas em rotas de fuga
rumo ao engodo cósmico que nos suga.

Os nossos olhos,
Singularidade que a tudo absorve,
E nada devolve...
Buracos negros...
Buracos negros...
Buracos negros...



sexta-feira, 13 de outubro de 2006

A máquina do tempo


 

Ela existe. Sim, a Máquina do Tempo existe, e não é um trambolho maluco cheio de botões, luzes piscantes, cronômetros endoidecidos, que viaja no tempo em rodopios alucinantes. Talvez por a procurarmos com essas características, não a encontramos.

Encontrei-a, e reencontrei-a, muitas vezes, entranhada nas folhas finas do papel dos livros.
Estes dias mesmo, mais uma vez, ela regurgitou diante de mim, inteiro, Eça de Queiroz. Desta vez foi o Eça; e sempre, quando quero, ela regurgita do passado um alguém. Às vezes ela me leva ao futuro, pois que é a Máquina do Tempo.

No presente momento, nós aqui do Brasil, estamos tendo uma espécie de nova chance, indo para um segundo turno das eleições, quem sabe com a oportunidade de nos desvencilharmos da já desgastada República PenTelhista, que nos tem legado tristes momentos.

Bem! E o que tem a ver Eça de Queiroz com a nossa política? Eu disse! Ele veio pela máquina entranhada numa folha de papel, e depositou nas minhas mãos o seguinte trecho por ele escrito em 1871. Naquele tempo ela falava do seu Portugal querido. Viajando no tempo, dando uma olhada pelo que acontece por aqui, ele achou por bem não retocar nada. Respeito-o, e nada retoco. Serve para o Brasil; se serve para o Portugal de hoje, que o diga lá os meus queridos amigos portugueses.

Eis o Eça: “O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas idéias aumenta a cada dia. A ruína econômica cresce, cresce, cresce... A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das escolas é dramático. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. Não é uma existência; é uma expiação. Diz-se por toda parte: ‘O país está perdido!’”

E, diante de Eça, eu me calo.




quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Tessitura sobre tela


 

Tocaia 2001
O.S.T. 80 x 60 cm.

Um olhar na vigília da noite.
Angústia, talvez.
Trabalho.
Traição anunciada.
Solidão apenas.
Espreita para a morte.
O olhar duro do homem a todo incerto momento.

sábado, 7 de outubro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos -13


 

(parte 13)

Eu e Leonor líamos no mesmo ritmo, e tão absortos estivemos na leitura da fotonovela que esquecemos do que havíamos combinado: eu leria as falas do homem, e Leonor as da mulher.
Terminada a leitura, tendo a última página à nossa frente, eu não desviei os olhos da última fotografia. Leonor recostou-se no banco, a cabeça levemente inclinada para trás, e os olhos fechados. Ficamos assim, em silêncio, por longos minutos. Por fim, ela, numa explosão que em outras circunstâncias teria me assustado, repetiu seguidamente que era injusto. Era injusto que uma história de amor terminasse assim; ela já sabia que o que mais as pessoas procuravam era alguém para amar e junto com esse amor serem felizes, o quanto mais pudessem. Por isso, achava injusto que quando dois amantes verdadeiros se encontrassem, um deles viesse morrer de maneira tão absurda, assim tão logo tenham se encontrado, e sem terem tido a chance de viverem o seu amor.
Ouvi-a dizer tudo o que ela tinha para dizer, e concordava com tudo. Da minha parte, numa tentativa de amenizar-lhe a exasperação, disse que desconfiava de todos os finais das histórias dos contos de fadas relativas ao amor entre príncipes e princesas, com seus finais felizes. Disse-lhe que por tudo que eu já havia lido e do que já sabia da vida e do mundo, príncipes e princesas eram pessoas raras, mas mesmo assim, na vida fora dos contos de fadas nem tudo, ou nada, era como ali era contado. Príncipes e princesas se casavam muitas vezes forçados por interesses que não era o dos seus sentimentos, e que o amor, se viesse a surgir entre os dois pobres coitados, era o mesmo amor que atingia qualquer coração que não pertencesse à realeza. E mais. Por alguns livros que eu já havia lido, muitos reis e rainhas, príncipes e princesas da vida como ela é, não viveram felizes para sempre, mas foram guilhotinados, enforcados ou fuzilados, coisa que jamais haviam pensado que aconteceria nas suas vidas. Era assim que eu pensava, e Leonor me olhava o tempo todo de esguelha, lembro-me. Hoje eu imagino que ela pensava que eu era apenas um menino que desconhecia os apelos do amor.
Esses meus argumentos não amenizaram os sentimentos da Leonor quanto ao fim dado à novela. Ela retrucou que se o amor era tudo o que diziam a respeito dele, era um sentimento que deveria ter tudo a seu favor, que todas as coisas, até mesmo as doenças e a morte deveriam respeitar o amor e dar chances para as pessoas serem felizes quando com ele se encontrassem. Dizia que, por tudo o que ela já sabia, esse era o sentimento mais desejado e procurado pelas pessoas, e que estas, quando falavam do amor, como ela já o havia percebido, falavam dele como algo muito sagrado e maravilhoso. E que ela iria querer viver o mais que pudesse quando encontrasse o seu verdadeiro amor; queria viver com ele todas as coisas boas ou ruins da vida, mas queria ter vida longa ao lado desse amor. Depois disso, ficamos mais alguns momentos em silêncio, cada qual ruminando os seus pensamentos, suas sensações.
Éramos crianças. A leitura concentrada havia nos roubado toda a atenção. Mas, agora, algo muito maior que os nossos arroubos literários, nos impelia para as trivialidades da vida. Nossos estômagos nos lembravam da fome, e isso veio de forma contundente. Quase ao mesmo tempo nos lembramos disso. Primeiro foi a Leonor que, rompendo mais esse silêncio, disse de uma maneira desconcertantemente doce que estava com fome, que tudo aquilo tinha lhe dado uma fome de leoa. Lá comigo eu pensei que eram as horas que haviam passado rápido demais para dela nos apercebermos, e o que acontecia é que já estaria mesmo na hora do almoço. Mas nada disso eu lhe disse. Apenas concordei com ela e me prontifiquei a organizar a nossa volta para a casa onde deveria estar servido o almoço.
Estávamos quase saindo do pomar, carregados com os volumes de revistas, quando cruzamos com um moleque que passou por nós, esbaforido. Sem diminuir sua correria ele nos disse que todos já haviam almoçado, e que estavam procurando por nós. Cruzamos com outras crianças, já ocupadas com suas brincadeiras.
Quando nos aproximamos do lugar onde eram servidas as refeições, realmente, éramos os últimos. Fomos servidos, e almoçamos em silêncio, mais devido à Leonor que se mostrava inusitadamente pensativa.





quarta-feira, 4 de outubro de 2006

Tessitura poética



Tudo é relativo


Não há objeto,
não há sujeito
na subjetividade
da existência.

Tudo é relativo.

Diferentemente formadas matérias,
e datas e velocidades
de tempo diferentes.

Tudo é relativo.

Negligencia-se as
excentricidades
e as exterioridades.
E fabrica Deus
os ateus aos movimentos
cósmicos e aos seus
estratos segmentares,
pelas fugas lineares,
ou circulares.

E tudo é relativo.

Tudo precipita,
e rompe num
retardamento relativo
na viscosidade da
morte em ruptura.

E tudo é relativo.

No escoamento do tempo
do agenciamento
que não é atribuível:
tudo é relativo substantivado
no arbitrário da existência.

Tudo é relativo.








segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Apresentando um amigo - Final

(última parte)

Por falar em brinquedo. O Mô tem o seu preferido. Na foto aí ao lado ele aparece com uma das suas bolas. Porém, “jogador” exímio que é, - joga com a simpatia humana – tem preferência por um dado de plástico, amarelo, cor da amizade, de uns 5 centímetros de lado. Adora trazê-lo até a qualquer um de nós, e espera que o tiremos da sua boca, ou o deposita em nossas mãos, e que o atiremos para que busque. Creio que não saiba ler números, e o fato de nos ver lançar-lhe o dado equivale a um lance para a sorte da simples felicidade canina. Faz isso duas a três vezes. Que dizer que não é um cãozinho chato, pois não abusa da nossa paciência.
As pessoas costumam dizer que ele é muito inteligente. Também achamos. Cremos, mesmo, que se fosse amestrado faria inúmeros truques. Não o queremos amestrado. Queremos que ele faça as coisas próprias de um cãozinho, sem a interferência humana no seu comportamento, exceto aquelas que, pelo convívio, creio que ele perceba que é o melhor a fazer aos olhos humanos; nossos, portanto. Isso que dizer, entre outras coisas, que, sem que lhe ensinássemos, escolheu o seu lugar exclusivo para fazer suas necessidades. Isso à noite, pois durante o dia o levamos a passear. É aí que não há limites para a sua demarcação de território que expande segundo o conteúdo da sua bexiga, quase nunca vazia de todo. Quando isso acontece, raramente, risca o chão com as patas, sacode-se todo para deixar cair alguns pêlos, rosna, torna a riscar o chão, rosna, olha para nós procurando aprovação, e seguimos adiante. Ele, com uma felicidade expressa na carinha. Nós, também.
Suspeita que algumas coisas nos façam tão bem quanto devam fazer a ele.

Pois é. Assim é o Mô, essa solidária felicidade canina que conosco convive, e que faz pouco mais de um mês acolheu neste seu território a pequenina Duca. Isso mesmo. Um dos vizinhos possuía uma cadelinha, de longe assemelhada ao Mô, pelo menos na cor. Ela teve uma ninhada de cinco filhotes. Um dia, o menino bateu à nossa porta procurando pela nossa filha. Quando ela retornou para o interior da casa, trazia nas mãos uns atrevidos olhinhos caninos.
De novo, alguns hummmmssss, nossos. Bem, ela ficou, e acabou sendo batizada como Duca.
O Mô, lá com seus códigos caninos, primeiramente a rejeitou de uma forma veemente, mais que a nossa. Porém, percebendo que ela ia ficando e que seria uma excelente companhia para muitas brincadeiras, por fim a aceitou. Vivem juntos: comem, passeiam, se divertem, tomam banho, dormem, recebem e dão carinho, juntos. São amigos, por fim, o que é uma outra história.

Pois é. Os vizinhos tinham uma cadelinha, mãe da Duca. Ela, um dos seus filhotes lindos, um gato, morreram envenenados. Ficamos consternados, e preocupados. Não queremos perder o Mô, e agora também a Duca, não desse modo. Nós os tratamos como se fossem animais criados em apartamento. Felizmente temos espaço caseiro melhor do que teríamos num apartamento, creio. Assim, só saem para o quintal ou para a rua acompanhados por algum de nós.
Neste mesmo blog eu já afirmei que este lugar, esta cidade, é um lugar de paz. Não deixa de ser, apenas representa um enorme perigo para os nossos animais de estimação que adorariam ter mais liberdade, sem se exporem à armadilha covarde de um naco de carne envenenado.
Eu adoraria encerrar esta não breve apresentação desse serzinho canino maravilhoso, não tendo de dizer que, nada menos de duas vezes conseguimos socorrê-lo a tempo. Posted by Picasa

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 12


 

(parte 12)

Lá, encontrou-a.
Nesses breves momentos do intervalo vivenciaram um dos mais doces palpitar dos seus corações, como que o anúncio de que haviam se encontrado por fim; como se por isso houvessem esperado por toda uma eternidade.
Ela, antes de dirigir-se para o camarote, disse-lhe que, terminado o concerto, iria a um restaurante com os amigos. Propôs que lá se encontrassem. E assim ele fez.
Sentaram-se próximos, e puderam desfrutar de maravilhosos momentos. Terminado o jantar, e antes que a animação do grupo esmaecesse, retiram-se. Ela, fiel aos amigos, por eles seria conduzida à sua casa. Antes de retirar-se, porém, disse-lhe que estaria livre no dia seguinte, e que poderiam combinar um novo encontro. Assim o fizeram prometendo encontrarem-se na tarde seguinte.
Nesse primeiro encontro a sós, percebendo que suas vidas estariam entrelaçadas para sempre, ele lhe falou da sua precária saúde, e o quanto era grave o estágio em que se encontrava a tuberculose. Isso pareceu não abalá-la. Antes, disse-lhe que se apegava a todas as esperanças de que ele se veria livre da doença e que colheriam anos de intensa felicidade. Enquanto isso, embora fosse uma tortura, o seu caso de amor não conheceria as delícias dos beijos apaixonados; o que não pudessem seus corpos aproveitarem, aproveitariam suas almas. E assim, arrebatados por um intenso amor, entregaram-se à aventura incógnita do tempo. Este, porém, inclemente, trouxe para eles a maior desventura das suas vidas, ceifando todas as chances de serem felizes.
Ele, por alguma razão foi sufocado pela doença que o consumiu.
Lembro-me de um dos últimos quadros da fotonovela em que ela, junto ao leito de morte do amado, ao invés de colher um último doce beijo daqueles lábios que não conheceram a doçura dos seus, colhia num lenço branco uma gota de sangue que insistia em traçar uma derradeira linha de morte. Ali, nesse momento de tão profunda dor, seus olhos acolhiam os seus semblantes eternamente apaixonados. Apesar de todo sofrimento, ele, serenamente fechou os olhos, e morreu, arrastado que foi pelo tempo.
Uma breve narrativa numa seqüência de fotos que a mostravam em intermináveis viagens, dizia que ela, atrozmente derrotada na sua amada ambição de ser apenas mulher, esposa e mãe, entregara-se de corpo e alma à vida quase solitária de uma concertista internacional de enorme sucesso, coisa que havia preterido por causa da busca pelos seus reais sonhos.
A última foto, sem nenhuma legenda, mostrava uma mulher algo avançada no tempo, sentada ao piano, sobre o qual repousava, sempre, uma solitária flor.


Tessitura monocromática

Terra Brasilis (2000)

O.S.T. 90x60cm

É no gênesi de todas as eras que ocorrem as expulsões do paraíso.
O Adão de todos os tempos é um ser esmaecido na luz, exilado da luz, preterido sob o peso de todos os grilhões da prepotência dos "deuses". Posted by Picasa

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

Tessitura poética


 
Maquinada traição

Dos helenos deuses
a síntese,
e senhor dos estatutos:
multiplicidade
dos atributos.

Da brahmaniana corporeidade
a identidade
trina e uma
sanha criadora,
avara conserva
para a ira destruidora,
atma humana
que se desencarna
vencido todo o carma.

Da aliança
a colheita da bastança
da divindade unívoca;
e em luta equívoca
resguarda os céus
sob os mais obscuros véus.

Que pretende do homem?
De tantas dores que o consomem,
a mais dura é a da traição
consumada na frieza da paixão
na ara da cruz infame.

Por quê nos abandonaste
relegados à própria sorte
dos horrores da dolorida morte;
traição cruel ao povo consorte,
do qual tão longe ficaste.

Senhor de todo ditame,
que nos renega da herança
prometida na antiga aliança:
por quê nos dá tamanha esperança?



sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Apresentando um amigo - 7

(parte 7)

Há muitos deles por aqui. E há, também, uma quantidade notável de pombas silvestres que fazem do nosso quintal e arredores o seu ponto de arribação, construção de ninhos e proliferação da espécie.
Delícia para os gatos. É muito comum ver um ou outro lambendo-se, não sei se antes ou depois de provar alguma das suas presas-pomba. São exímios caçadores, porém, nem sempre bem sucedidos.
Ainda mais que o Mô esteja solto fazendo prevalecer o seu direito animal de dono do quintal. Acontece o mesmo que acontecia com os lagartos. Apenas, até agora, ainda não vimos o nosso cãozinho observando algum rabo peludo felino por ele decepado, exigindo de nós um parcial funeral de gato. É que há muitas árvores, proteção mais que providente para os gatos. O Mô, para sorte deles, ainda não aprendeu a escalar árvores. Por ora.
O Mô é um cãozinho de muitos amigos humanos, principalmente crianças. A escola, até o Ensino Médio, fica na minha rua a exatos cem metros da minha casa. As crianças adoram o Mô, e fazem carinhos a ele. Uma das suas maiores fãs é a Bruna, nossa afilhada que mora no final da nossa rua e vem com freqüência fazer uma visita “social” ao Mô, menos aos seus padrinhos. Ele é assim, cativante. E pensávamos que o fôssemos.
Se você vier à nossa casa, por favor, não diga perto dele essas duas palavras... (ele não está por perto, posso aqui dizê-las) – Vamos passear. Não as diga se você não estiver a fim de realmente passear, claro, na companhia do Mô. Ele torna-se saltitante, alegre, te incentiva a realmente sair para um passeio, aguarda que você se apronte, e vai todo feliz te arrastando pelas ruas e estradas da vizinhança. E ainda te agradece com os constantes olhares, e ares, de satisfação, de prazer por estar passeando.
O mesmo acontece se você, mesmo que distraidamente, pegar a sua coleira. Para ele isso é sinônimo de: - Vamos passear.
Tênis. Também, para ele, é sinônimo dessas duas palavras. Basta você calçá-los que ele se prontifica a te arrastar para um passeio. Outro dia eu me arrumava para sair. Por algum motivo escolhi calçar os sapatos na sala. Ele veio pelo corredor, e quando me viu com algum calçado na mão, começou a animação fazendo festas para mim. Ao perceber que eram sapatos, e não tênis, esparramou-se no chão à minha frente, resmungou algo ininteligível, suspirou fundo e ficou olhando-me de esguelha como que a dizer: - Isso não se faz com um amigo. Então, quando alguém de casa começa a se arrumar, preocupa-se em dizer-lhe para que fim se arruma. Para isso, basta dizer: Vou sair. Ou, vou trabalhar, menos... – Vamos passear.
Sei não. Às vezes eu acho que somos parte do seu pequeno mundo de brinquedos. Posted by Picasa

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 11



(parte 11)

Na manhã seguinte, o zeloso amigo e a esposa que o levaram ao sarau, fizeram-lhe uma visita, preocupados que estavam com a sua retirada antecipada.
Depois de o perceberem um pouco restabelecido, falaram do que ocorreu após sua saída. O trio de cordas havia feito magnífica apresentação. Depois, acompanhado por instrumentos de cordas, um casal de sopranos cantou árias e duetos. E encerraram o sarau.
Não foi preciso que perguntasse aos amigos pela jovem pianista. Disseram-lhe que, depois de terminado o sarau, tiveram chance de cumprimentá-la. Um encanto de pessoa. Ficaram sabendo, por terceiros, de quem se tratava.
Ela havia demonstrado um talento precoce. Recém entrada na adolescência, mesmo que contrariada, foi enviada para a Europa para ali complementar os seus estudos, da música principalmente, mas também de línguas e das ciências humanas, em preparação à brilhante vida que a esperava mundo afora como futura concertista, assim pensavam os pais.
Ficara por pouco mais de doze anos em exclusiva dedicação aos estudos. Mesmo durante estes fizera algumas apresentações encantando seletas platéias européias. Ainda estudante recebera convites para fazer concertos, aos quais se recusara a atender. Seus planos talvez fossem outros.
O casal de amigos mal havia saído, eis que chegam outros dois. Estes traziam um convite para que ele fosse ao concerto da orquestra que se apresentaria no dia seguinte. A princípio recusou alegando que deveria evitar ambientes fechados. Os amigos haviam pensado nisso. Haviam providenciado um lugar que recebia boa ventilação, e do qual poderia sair, se precisasse, sem perturbar as pessoas. Ele ponderou, e disse que iria.
Foi quase dos últimos a chegar. Os músicos já estavam nos últimos preparativos para receberem o maestro. Sentou-se, percorreu os olhos pela platéia, reconheceu e cumprimentou algumas pessoas. Uma presença, e um olhar insistente na sua direção, chamou-lhe a atenção para um dos camarotes próximos. Acolheu, surpreso e gratificado, um discreto cumprimento e um suave sorriso, de ninguém mais que da bela pianista da qual se encantara na noite do sarau. Por breve instante relutou em corresponder, suspeitando que não fossem dirigidos a si. Quando respondeu, e dela recebeu um novo sorriso, sentiu um delicioso frenesi percorrer-lhe todo.
As luzes esmaeceram, e o maestro se colocou diante da orquestra. Em breves instantes os acordes vigorosos preenchiam os espaços da sala de espetáculos. Nos momentos de maior enlevo e suavidade da música, ouve novas trocas de discretos olhares. Em sua mente, um turbilhão de pensamentos. Questionava-se, de como ela poderia dele se lembrar a partir de tão fugaz momento acontecido no sarau. Ele, devido ao arrebatamento daqueles instantes, a reconheceria sem dúvidas. Mas, ela? Isso o encantava, e a música executada no concerto, envolvente, produzia nele lampejos de maravilhosos sentimentos.
Terminada a primeira parte do concerto aconteceria o intervalo. Haviam anunciado que alguns músicos, brindando a platéia, fariam algumas evoluções musicais. Esse fato reteve a grande maioria do público nos seus lugares. Passado o momento em que as pessoas se dirigiam ao amplo salão da entrada, ele percebeu que o camarote onde a pianista estivera, estava vazio.
Levantou-se, encaminhando-se para o hall. Posted by Picasa

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Tessitura poética


 
A quê te leva?


Abraço forte,
tal qual laço da morte,
a ti anela à demência
que avilta a clemência.

É insólita tua doidice,
tardia e parva criancice,
mãe de toda tolice.

Ninguém mo disse.
Vi.
Ouvi.
Senti.

Ou, a ti
anela ao cinismo,
indisfarçado personalismo
da desfaçatez,
talvez?

Espelho.
Espelho!
O processo.
O que te leva
a tão mesquinho lavor.

Do cinismo,
ou da demência,
ao abismo
não é tardia a falência.

Pequena .?!
Não será essa tua pena!?



sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Apresentando um amigo - 6

Hora do banho. Delícia.


(parte 6)

Ele fala! Sim, ele fala. Claro que é na sua linguagem canina feita de latidos e outros sons produzidos pelo seu aparelho auaufonador, entre outros muitos sinais que bem os compreendemos devido à convivência. Ele se comunica, e nós nos comunicamos com ele. Nos entendemos.
Antes de mais nada, é preciso dizer que o Mô é dócil, doce. Serenamente ele admite que se retire da sua boca o melhor dos ossos ao qual esteja roendo. Sejam ossos verdadeiros, deliciosos, creio, ou aqueles artificiais que se compram nas casas especializadas, feitos com couro cru. Também admite que qualquer pessoa meta a mão na sua vasilha de ração. Ele continua a comer impassível, ou então dirige um dos seus olhares, como que a dizer: - Venha! Sinta-se à vontade. Coma comigo. Ele costuma ser assim com as pessoas. Já com os gatos e lagartos... isso é outra coisa.
Temos, no quintal, uma antiga construção em madeira, que serve de depósito. O seu piso é um pouco elevado do chão. Isso permitiu que uma grande família de lagartos teiús fizessem ali sua morada. Isso sempre achamos bom, pois eles impediam a proliferação de ratos e alguns insetos... tais como as asquerosas baratas. Perdoam-me aqueles que adoram baratas, se os há. Bem, os lagartões achavam-se donos do nosso quintal. Nos dias mais quentes, era possível ver vários deles, de vários tamanhos, se aquecendo ao sol, ou passeando tranqüilamente. Havia mesmo alguns enormes.
Isso mesmo. Havia. O Mô, depois de crescido e ter percebido que o quintal era dele, convenceu aos lagartos para procurarem outro abrigo. Isso não antes de muitas correrias, latidos, rosnados, pêlos eriçados, investidas, recuos estratégicos ou previdentes, e fugas desesperadas dos lagartos.
A isso o Mô não nos respeitou. Embora lhe ensinássemos que poderia, e deveria, conviver com os lagartos, ele fazia seu ponto de honra expulsá-los do quintal. Resistiram o mais que puderam. Creio que o que os convenceu foi o fato de, num dia, o Mô ter conseguido alcançar um dos maiores lagartões e, como conseqüência, ter ficado com a maior parte do rabo do pobre teiú.
Lamentamos o fato, mas foi um tanto engraçado ver o nosso heróico cãozinho deitado no chão olhando extasiado o enorme rabo diante de si, e que ainda se mexia. Foi interessante ver o comportamento do Mô. Creio, mesmo, que ele sabia que aquilo que tinha diante de si era apenas um rabo que não iria mais a lugar algum. Ficou olhando-o por algum tempo, e depois se afastou. Nós enterramos o tal rabo do lagarto. Isso. Fizemos meio funeral do decepado sáurio.
Bem! Creio que nesse dia deve ter ocorrido uma assembléia dos saurídeos que decidiram levantar acampamento. Devem ter percebido que a perda do rabo de um dos seus seria apenas o começo de uma derrota certa. Assim é que não vemos mais os lagartos se achando os donos do nosso quintal, nem de alguns quintais da vizinhança. O Mô venceu essa batalha. Por isso, creio que o nosso planeta esteja, pelo menos por hora, protegido de qualquer invasão ou dominação por parte dos sáurios. O Mô é um dos protetores da humanidade.
Falemos dos gatos. Posted by Picasa

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Tessitura sobre tela


 
Corporeidade (2006)

O.S.T. 70x50cm

No espaço do corpo de mulher
os traços da harmonia
de todos os movimentos
de todas as mais belas sinfonias.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 10


 

(parte 10)

Viu, ao piano, uma bela e jovem mulher. Era ela, com seu transparente talento, quem arrebatava a todos. Sua música fluía suave, envolvente. Suas mãos percorriam o teclado como se roçassem em delicadas pétalas de flores; e o instrumento respondia de uma forma incomum. O ambiente recendia a algo quase místico, tal o frescor e profundidade da sua música.
Terminados os últimos acordes, o salão parecia mergulhado num denso e paradisíaco silêncio; eram as últimas notas que ainda ressoavam nas almas. De súbito, todos pareceram acordar de um sono embalado por belos sonhos; explodiram os aplausos, os gritos contagiantes de: Bravo! Bravo!; e pediam Bis!... Bis!... A jovem mulher, com gestos suaves, agradecia. Tão calorosos foram os aplausos, que o organizador do sarau a reconduziu ao piano. Feito o silêncio, ela fechou os olhos, dessa vez. E a música ressurgiu ainda mais bela; agora era apenas sua alma que, tomando por empréstimo todo o corpo e seus sentidos, executava a música que evoluiu como que endereçada aos deuses. Terminada a música, novamente explodiram os aplausos.
Havia outros músicos para se apresentarem. O organizador do sarau procurava conter o justo entusiasmo dos presentes; inclusive a unanimidade dos demais músicos, que reconheciam estar diante de uma virtuose, e aplaudiam acaloradamente. Sob protestos, o pobre do organizador praticamente forçou a ida dos próximos músicos para diante da platéia. Era um renomado trio de cordas que fazia parte de uma orquestra que se apresentaria na cidade nos próximos dias. Estes, pacientemente, aguardavam que os mais entusiasmados finalizassem os cumprimentos à jovem, pois a haviam cercado, envolvendo-a com elogios.
Ele estivera o tempo todo à porta. Aplaudira da primeira vez, e redobrara o entusiasmo dos aplausos na segunda vez, encantado com o talento e beleza da jovem. Era um adorador da boa música. Enquanto a jovem pianista ainda era envolvida pelos mais entusiasmados homens e mulheres, ele recolheu uma flor de um vaso próximo, e dirigiu-se ao piano, do qual postou-se ao lado. Sua intenção era fazer um mimo anônimo. O destino, porém, não queria assim. No exato momento em que fazia o gesto para depositar a solitária flor sobre o piano, seu olhos se cruzaram com o olhar da mulher que, de relance, passara por onde ele estava. Ela, ao perceber tão delicado gesto, fixou nele o olhar; recolheu o sorriso que retribuía os cumprimentos dos circundantes e, depois de um breve instante balbuciou um agradecimento. Ele ergueu a flor em sua direção numa delicada oferta, e a depositou sobre o piano. Novamente ela agradeceu, enviando-lhe um sorriso suave.
Esse breve momento favoreceu para que os insistentes circundantes fossem convencidos por outros a se dirigirem aos seus lugares. A jovem foi acompanhada ao seu lugar. Ele retirou-se.
O fato dele ter entrado no salão; talvez para o ar carregado emanado dos corpos em euforia, trouxe-lhe algum desconforto para os pulmões. Pensou em parar novamente à porta e ouvir o trio que se apresentaria e, quem sabe, num momento oportuno, cumprimentar à talentosa e bela pianista. Mas o ar quente, viciado, vinha até ele, provocando-lhe incômodos. Aproveitou um breve encontro de olhar com um dos amigos; o fez compreender por gestos discretos o que estava sentindo, e despediu-se, agradecendo e dispensando qualquer companhia. Saiu para a rua.
O cocheiro prontificou-se a levá-lo para casa. Recusou, dizendo que preferia fazer uma caminhada, que teria a noite toda para fazer isso. Caminhou a esmo, passou por antigos lugares que freqüentava. Passou por um pequeno e acolhedor cabaré, um dos seus antigos preferidos. Entrou; cumprimentou velhos conhecidos; trocou algumas palavras aqui ou ali; recusou alguns convites para assentar-se às mesas. Sentia uma estranha, mas suave inquietude. Acenou para alguns, e ganhou a rua e o caminho para casa.


terça-feira, 5 de setembro de 2006

Tessitura poética

Versos Kafkalentes


Inutilidade o distanciamento,
que à loucura liberta.
Inconstante indulgência,
que aos delírios sãos acoberta.

Dupla miragem,
a que se revela em
astúcias cruas.
Processos insólitos
que aviltam
as rostidades nuas.

Psiquirantes
deliquiatrias
radiantes,
torturantes.

Esquizolências,
querefrênicas
das linearidades
segmentais.

Subjetivâncias
redundantes:
cruzeiros terminais
dos portais genitais. Posted by Picasa

quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Tenho a minha "Obra Inacabada"

Estudo que pretendi realizar a partir de A Última Ceia, obra de Philippe de Champaigne (1652) 158x233 cm.

O iniciei em 2003. Não fiquei satisfeito com os rostos dos apóstolos ao fundo, e muito menos com o rosto de Jesus, o qual está iniciado. Recuso-me a mostrá-lo aqui.
Aguardo um momento de retomá-lo, quando pretendo refazer os rostos, ou, então, deixá-los assim mesmo, como se fossem rascunhos de algumas rostidades perdidas no tempo.
Pessoas que viram esse estudo, dizem que não há nada demais com os rostos.
Sei lá. Acho que eu poderia fazer algo melhor, inclusive em algumas mãos.
Agora, três anos depois, fico na dúvida se termino esse tal estudo.
Eu o iniciei nas dimensões 78x115 cm.

E então, termino, ou não termino. Posted by Picasa

domingo, 27 de agosto de 2006

Apresentando um Amigo - 5

(parte 5)

Creio que ela pensava que as pessoas que passavam pela rua seriam como o Mô, ou como nós: tolerantes.
Apesar dos nossos cuidados quando estavam soltos, ela adotou o péssimo hábito de latir para as pessoas que passam por nossa rua. E algumas pessoas realmente detestam isso. Cuidávamos para que ela não fizesse isso, a repreendíamos tentando ensiná-la.
Bem, fazia exata uma semana que ela havia parido os filhotes, eis que saiu para dar uma das suas voltas. Poucos minutos depois retornou, ganindo, desesperada. Prontamente a socorremos, pensando ter sido agredida, atropelada, levado uma pedrada. Se ela voltou correndo para casa, antes fosse algo semelhante que a tivesse atingido. Logo estaria bem, pensamos.
Mas, não. Sabe-se lá, quem, atirou-lhe um pedaço de carne envenenado, possivelmente por estricnina, veneno poderoso, disseram, e habitual das pessoas “adoráveis” fazerem uso disso para matarem ratos, etc. Ela vomitou o pedaço de carne. Não vomitou o veneno, porém.
Aqui onde moramos, em um caso de emergência, é preciso contar com os serviços de uma cidade vizinha daqui, a dez quilômetros. Era um sábado, justamente no momento em que os estabelecimentos comerciais estão fechando suas portas, inclusive as lojas-veterinárias. Apesar de nos dizerem depois que as chances teriam sido poucas, tudo fizemos para salvá-la.
Bem, se estou apresentando apenas o Mô, é porque ela não resistiu ao ataque fulminante dessa substância ou outra qualquer com a qual foi covardemente agredida.
Não sou maldoso, creio. Mas, se houver o “depois”, e se os animais também tiverem esse “depois”, eu gostaria que a pessoa que fez isso tivesse um “presentinho” no final do tal túnel de luz. A Belinha a estaria esperando ali, abanando o seu rabo como o fazia para nós e, a partir daí, por toda a eternidade, ela teria o seu “boneco” preferido com o qual brincar, sem se cansar. O que era para nós uma simples alegria, seria o tormento para essa mente que assassinou a Belinha. Maldade minha? Penso que não. Ela, enquanto viva, apenas latia para as pessoas – o que é detestável que fizesse -, mas nós a estávamos educando a não fazer isso. Todos devem ter percebido que esse seu comportamento nos desagradava, e estávamos preocupados em educá-la. Que nos dessem tempo, ainda mais que ela adotou esse costume depois de estar prenha. Quem sabe se defendia a sua prole?

Bem, ela se foi. Ficou-nos o Mô.
Ele sentiu a falta da irmã? Claro que sim, nós muito bem o percebemos. Prontamente, o que ele fez com os filhotinhos da irmã?
Alimentá-los, dar-lhes água e alguns cuidados, isso fazíamos com o maior desvelo. E a parte canina? O Mô se encarregou disso. Foi algo maravilhoso de se ver. Ele se posicionava como um “tio” ou pai zeloso, lambia-os para limpá-los. (Temos certeza de que o Mô não é o pai) Se afastavam da “caminha”, para lá os reconduzia, exatamente tudo como a Belinha tinha feito nos últimos dias; e isso não foi preciso que lhe ensinássemos. O fez por instinto, ou seja lá por quê o for. Belo cãozinho.
Sem a Belinha, e o necessário desmame, os filhotes foram logo distribuídos. As pessoas que os receberam se prontificaram a cuidar, cada um do seu filhote. E assim o fizeram.

Falemos, então, somente do Mô.
Pronto! Você que detesta animais de estimação, e execra os cães, se chegou até este ponto da leitura desta história, deve estar num exaspero incontido. Provavelmente deve até estar pensando lá contigo: pronto!... lá vem esse babaca, ou imbecil, dizer que o seu c ã o z i n h o, essa “coisa” peluda, só falta falar.
Não! Engano teu! Eu jamais falaria isso. Do Mô, eu jamais falaria isso. Posted by Picasa

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Tessituras poéticas

O rigor e a luz


Anterioridade!
Sou, antes de tudo,
aquilo que sou.
Inata é
minha identidade?

Cresço trilhando
um novo caminho. Ou,
as feridas, elas vêm
sempre do mesmo espinho?

Se busco Saber,
deparo, sempre, com
tudo que meu ser tem.
Partilho algum poder
de encontrar algo, caminhando?

O rigor e a luz!
Se tudo sei,
partir em busca
reserva-me algum Saber?
Se tenho que ir em sua busca,
qual caminho a ele me conduz?

Anterioridade!
Novidade!
Identidade!
Deus!...
De todas,
qual a verdade? Posted by Picasa

domingo, 20 de agosto de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 9


 

(parte 9)

A aventura desta manhã acontecia pela leitura. Entre as revistas havia umas edições recentes de O cruzeiro. As demais eram revistas especializadas em fotonovelas. Folheamos algumas O Cruzeiro. Havia um mundo feito por pessoas, acontecimentos, que tardavam a chegar até onde morávamos, não pelo rádio, mas daquela forma trazida pelas revistas; pelo rádio não nos chegavam fotos das pessoas, dos lugares, das coisas; aquele – o mundo das revistas – era um mundo que nos levava a outros mundos, encantadores. Pelo rádio, tudo isso ficava por conta na nossa imaginação, sem que ela fosse alimentada por tão belas imagens. Pelo rádio não era a mesma coisa. As revistas, e o que delas saltava, instigante, nos enchia os olhos e aguçava ainda mais a nossa curiosidade.
Depois, Leonor pegou uma das revistas de fotonovelas, e disse que uma das suas primas havia começado a sua leitura. Dissera que se tratava de uma bela história de amor. Leonor propôs que a lêssemos juntos.
Nesse caso, o banco improvisado mostrou-se providencial. Não foi difícil que ali nos acomodássemos lado a lado. Assim, poderíamos ler a mesma história, ao mesmo tempo. Antes de terminada a primeira página, Leonor propôs que, chegado o momento em que apareceria o casal de enamorados em torno do qual girava a história, ela faria a leitura das falas da mulher, e eu faria a do homem.
Essa leitura foi mais um acontecimento nas nossas vidas. As fotos das personagens, suas falas, a narrativa, nos envolviam num mundo mágico, indescritível.
A história se passava num tempo um tanto antigo; não muito, porém. Hoje, pelo que me recordo, talvez se situasse dos meados para o final do século dezenove. Era a história de um arrebatador caso de amor que surgira entre um homem de meia idade, e uma mulher um tanto mais nova que ele.
Este havia tido uma angustiante paixão na juventude, que lhe furtara parte dos seus melhores anos, e muitos dos seus sonhos. Depois, um pouco refeito, encontrara aquela que julgava ser o seu amor verdadeiro, e com a qual atravessaria todos os anos da sua vida. Poucos anos puderam viver juntos colhendo dias e dias de intensa felicidade. De início, a mulher sentira ter dificuldades para engravidar, e o que mais queriam para que sua felicidade se completasse, era dividi-la com alguns filhos. No início do terceiro ano após terem se casado, ela, por fim, engravidou. Não foi uma aventura tranqüila. Havia momentos de altos e baixos, e com sérios riscos de abortar. Resistiu, porém, até o parto. Terrível engodo do destino. Um dia depois de ter nascido, a criança, uma menina, estava morta. A mulher não suportou essa tragédia; definhou; e apesar do desvelo do apaixonado marido, dos amigos e familiares, três meses depois estava morta. O homem se entregou a uma vida boêmia, mais desesperado que desesperançado. O tempo, atroz, corria incessante, inexorável, e também parecia consumi-lo. Nada o consolava das perdas, das ilusões que tivera com o amor.
O custo dos desregramentos da vida boêmia, não tardou a aparecer. Logo, era ele que se entregava à arrebatadora sanha da tuberculose. Porém, algo parecia impedir que ele fizesse o seu caminho na direção da morte, como dizia a uns amigos, e a outros companheiros de infortúnios, homens e mulheres. Padecia atrozmente, mas a vida teimava em não entregá-lo à morte. E o tempo fluía, como que devorando tudo à sua volta.
Certo dia, depois de vencido pela insistência dos bons amigos que tinha, compareceu a um sarau. Havia estado por meses numa estância cujo clima era propício aos tuberculosos, onde recebera alguns cuidados que lhe proporcionaram alguma melhora. De lá retornara há poucos dias, e estivera mantido em recolhimento, longe do burburinho social da cidade. Chegado ao sarau, ao ver casais apaixonados, a felicidade rondando à sua volta, quis desaparecer. Procurou um local isolado, distanciado de mais esse insulto da vida.
Esta, ao que parece, implacável em torturá-lo, o enredou uma vez mais. Depois de um breve intervalo entre as belas músicas, uma canção começou a ser dedilhada ao piano. Eram notas envolventes, densas, que produziram nele um inexplicável arrebatamento. Não foi por si mesmo. Cada compasso da música atraia-o para dentro do salão. Parou na porta, e tudo e todos pareciam flutuar num enlevo indescritível.



sábado, 19 de agosto de 2006

Tessitura sobre Tela



Génesis (2005)

O.S.T. 60x80cm

É do útero das mulheres que a humanidade lança um olhar para as estrelas, e parte para o espaço cósmico interestelar.
É desse agasalho materno que todo homem e toda mulher parte para a aventura da vida.
É desse metafórico agasalho das antigas cavernas que a humanidade parte nessa viagem circundante de luz, rumo a tantas outras luzes.
E todos somos filhos da luz, revelados pela luz. Posted by Picasa

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Um dia muito especial



O registro feliz.
Eu acabava de assinar a Ata da minha Qualificação.
Isso significa que o meu Projeto de Pesquisa RESIGNIFICANDO LINGUAGENS NO ESPAÇO ESCOLAR: esboçando um outro mapa para  leitura e escrita de textos "foi julgado adequado para a obtenção de Qualificação ao Mestrado em Letras, e aprovado em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Letras - área de concentração Linguagem e Sociedade", pela Egrégia Banca da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Campus de Cascavel.
Na foto, da esquerda para a direita: Eu, e o meu sorriso feliz; Professora Doutora Eliane Cardoso Brenneisen; Professora Doutora Roselene Fátima Coito; Professor Doutor Acir Dias da Silva; Professora Doutora Beatriz Helena Dal Molin, minha Orientadora.

À Egrégia Banca, meus cumprimentos e agradecimento por suas inestimáveis contribuições para que a Tese final supere as minhas expectativas. Foram sábias contribuições.

À minha querida "Bia" que, antes de Acadêmica e Orientadora, é amiga e navegante, não cabe apenas agradecimentos, que sempre seriam poucos.
Antes, o sempre presente reconhecimento: A Bia, como navegante do Saber, raramente segue a rota dos faróis, pois que ela é daquelas pessoas especiais que vai á frente, sempre implantando inúmeros outros faróis que nos levam a novos mundos.  É ela, a Bia, a responsável para que o meu projeto adquirisse inovadoras e desafiadoras feições.
A Bia faz com que a navegação pelos mares do conhecimento transcorra numa perene convivência com a aventura, com o descortinar desconcertante de novos horizontes que se desdobram em outros horizontes. Esse rizoma de Aprendência se desdobra de forma imprevisível, para não dizer alucinante, num delicioso desejo de mergulhar em todos os oceanos,
o que torna em ventura boa essa aventura da busca do Saber.
A Bia é daquelas pessoas especiais que faz com que permaneça sempre viva a capacidade de sonhar. Perto da Bia, nunca envelhecemos, pois que é fonte inesgotável da fonte da juventude da alma.
Bia, amada amiga, o meu carinhoso abraço; da Lucidalva, minha esposa; dos meus filhos.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Apresentando um amigo - 4

Na foto, o Mô numa das suas visitas à mãe:
Costelinha


(parte 4)

A surpresa em casa, foi diferente? Claro que não. Nem vou dizer que minha esposa quase teve um “troço”. Se já havia se preocupado com um, imagine com essa dose duplicada.
Tudo bem! Os dois eram umas gracinhas peludas. Acho que é uma artimanha da Natureza, para comovermo-nos com os animais quando pequenos, e nos responsabilizarmos por sua preservação quando adultos, ainda mais se nossos ancestrais tiveram a idéia de domesticá-los... ou será que foi o contrário? Às vezes tenho minhas dúvidas.
E assim passaram-se os dias.
Viemos a perceber que o Mô é que era o brinquedinho de luxo da Belinha. Era o seu bichinho “de pelúcia” preferido. E vivo, ainda por cima. Ela fazia dele o que bem entendia, e ele se comportava como ela queria. Isso que dizer que ela vivia por cima dele, rosnando para ele, “mordendo-o”, latindo “furiosa” para ele. Era o “seu” brinquedo. Que paciência de irmão, o Mô tinha. Nunca o vimos reclamar da sua irmãzinha. Antes, ele mesmo a procurava, às vezes, para se fazer de brinquedo. Assim ele se divertia.
Você, que detesta cachorros, deve estar pensando: que cachorro mais besta. E pensa que o Mô pode ter alguma disfunção de personalidade, ou que não seja de todo, macho. Sei lá. Eu o via e vejo como o vejo. Um belo cãozinho, amorosamente canino.

E passaram-se os meses.
Crescidos, conhecidos por gente que diz entender de cães, pelo menos dois veterinários disse que, pelas características dos dois, a Costelinha não foi tão... tão... Bem, ela não se deixou seduzir por um vira-latas qualquer. O seu parceiro misterioso teria lá alguma coisa de raça, talvez também de pedigree; e esses entendidos deram pelo menos duas alternativas, as quais não coloco aqui. Não assumo essas opiniões. Pronto. Pontos para a Costelinha: teve um caso, sim, pois aí estão os filhos para o comprovarem, mas deve ter sido com algum “príncipe” canino, misterioso, sim.

Lastimo. Nem tudo foi alegria.
A Belinha ia se aproximando do primeiro cio. Preocupação e cuidados à vista. Aqui em casa praticamente não temos muros. Seria tal mãe, tal filha? Aqui as coisas eram por demais facilitadas.
Minha filha tinha a intenção de esterilizá-la. Não o fez prontamente, pois o veterinário disse que seria melhor ela passar por um processo de amadurecimento, antes. Quer dizer, passar por alguns períodos de cio. Ele entende? Respeitemo-lo! E assim foi feito. Mas, o que fazer? Mantê-la fechada? E o seu direito de ir e vir?
Uma solução possível seria “protegê-la” com um tipo de calcinha disponível no mercado canino. Se bem escolhida, diziam, era um verdadeiro cinto de castidade. Você acredita nisso? Pois é! É a Natureza, meus amigos! Ela grita forte quando quer se manifestar, e rompe cintos de castidade. Foi o que aconteceu. Mesmo protegida, a Belinha encontrou um cachorro – sim, C A C H O R R O! – que a seduziu.
Resultado: 5 filhotes. O Mô foi um dos parteiros de plantão. Acompanhou de perto todo o processo, ajudou a limpar os sobrinhos; chegava mesmo a “cuidar” deles quando a Belinha precisava se ausentar da prole para espairecer e fazer suas necessidades. Afinal, o Mô estava ali.

A Belinha tinha um defeito. Ou será falsa crença? Posted by Picasa