sábado, 7 de outubro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos -13


 

(parte 13)

Eu e Leonor líamos no mesmo ritmo, e tão absortos estivemos na leitura da fotonovela que esquecemos do que havíamos combinado: eu leria as falas do homem, e Leonor as da mulher.
Terminada a leitura, tendo a última página à nossa frente, eu não desviei os olhos da última fotografia. Leonor recostou-se no banco, a cabeça levemente inclinada para trás, e os olhos fechados. Ficamos assim, em silêncio, por longos minutos. Por fim, ela, numa explosão que em outras circunstâncias teria me assustado, repetiu seguidamente que era injusto. Era injusto que uma história de amor terminasse assim; ela já sabia que o que mais as pessoas procuravam era alguém para amar e junto com esse amor serem felizes, o quanto mais pudessem. Por isso, achava injusto que quando dois amantes verdadeiros se encontrassem, um deles viesse morrer de maneira tão absurda, assim tão logo tenham se encontrado, e sem terem tido a chance de viverem o seu amor.
Ouvi-a dizer tudo o que ela tinha para dizer, e concordava com tudo. Da minha parte, numa tentativa de amenizar-lhe a exasperação, disse que desconfiava de todos os finais das histórias dos contos de fadas relativas ao amor entre príncipes e princesas, com seus finais felizes. Disse-lhe que por tudo que eu já havia lido e do que já sabia da vida e do mundo, príncipes e princesas eram pessoas raras, mas mesmo assim, na vida fora dos contos de fadas nem tudo, ou nada, era como ali era contado. Príncipes e princesas se casavam muitas vezes forçados por interesses que não era o dos seus sentimentos, e que o amor, se viesse a surgir entre os dois pobres coitados, era o mesmo amor que atingia qualquer coração que não pertencesse à realeza. E mais. Por alguns livros que eu já havia lido, muitos reis e rainhas, príncipes e princesas da vida como ela é, não viveram felizes para sempre, mas foram guilhotinados, enforcados ou fuzilados, coisa que jamais haviam pensado que aconteceria nas suas vidas. Era assim que eu pensava, e Leonor me olhava o tempo todo de esguelha, lembro-me. Hoje eu imagino que ela pensava que eu era apenas um menino que desconhecia os apelos do amor.
Esses meus argumentos não amenizaram os sentimentos da Leonor quanto ao fim dado à novela. Ela retrucou que se o amor era tudo o que diziam a respeito dele, era um sentimento que deveria ter tudo a seu favor, que todas as coisas, até mesmo as doenças e a morte deveriam respeitar o amor e dar chances para as pessoas serem felizes quando com ele se encontrassem. Dizia que, por tudo o que ela já sabia, esse era o sentimento mais desejado e procurado pelas pessoas, e que estas, quando falavam do amor, como ela já o havia percebido, falavam dele como algo muito sagrado e maravilhoso. E que ela iria querer viver o mais que pudesse quando encontrasse o seu verdadeiro amor; queria viver com ele todas as coisas boas ou ruins da vida, mas queria ter vida longa ao lado desse amor. Depois disso, ficamos mais alguns momentos em silêncio, cada qual ruminando os seus pensamentos, suas sensações.
Éramos crianças. A leitura concentrada havia nos roubado toda a atenção. Mas, agora, algo muito maior que os nossos arroubos literários, nos impelia para as trivialidades da vida. Nossos estômagos nos lembravam da fome, e isso veio de forma contundente. Quase ao mesmo tempo nos lembramos disso. Primeiro foi a Leonor que, rompendo mais esse silêncio, disse de uma maneira desconcertantemente doce que estava com fome, que tudo aquilo tinha lhe dado uma fome de leoa. Lá comigo eu pensei que eram as horas que haviam passado rápido demais para dela nos apercebermos, e o que acontecia é que já estaria mesmo na hora do almoço. Mas nada disso eu lhe disse. Apenas concordei com ela e me prontifiquei a organizar a nossa volta para a casa onde deveria estar servido o almoço.
Estávamos quase saindo do pomar, carregados com os volumes de revistas, quando cruzamos com um moleque que passou por nós, esbaforido. Sem diminuir sua correria ele nos disse que todos já haviam almoçado, e que estavam procurando por nós. Cruzamos com outras crianças, já ocupadas com suas brincadeiras.
Quando nos aproximamos do lugar onde eram servidas as refeições, realmente, éramos os últimos. Fomos servidos, e almoçamos em silêncio, mais devido à Leonor que se mostrava inusitadamente pensativa.





5 comentários:

Luna disse...

deixo um beijinho de bom fim de semana

Leticia Gabian disse...

O amor é assunto pra muitos e muitos posts.
O tempo, e seus efeitos sobre nós e o amor, também.
Beijos.

Bia disse...

A leonor apenas viu o amor como ele devia ser... devia ser exactamente como nos contos de fadas e "foram felizes para sempre..." e isso não é verdade... doi aceitar, se calhar é mesmo por isso que uns aceitam a vida que têm e outros procuram uma vida diferente onde o amor é o personagem principal. gostei imenso de ler, também sou como a leonor... feliz ou infelizmente...

vida de vidro disse...

Amor com final feliz, talvez exista, mas é raro. O que existe de certeza é o final do amor, feliz ou não. **

efvilha disse...

Olá Vida de vidro!
É o que desde muito cedo percebi, resultado de todo o meu lamento quanto à utopia dos contos de fadas que não representam nada mais que nossos mais íntimos desejos, surgidos sabe-se lá quando ou por que.