terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos - 16



(Parte 16)


Quando fomos até à árvore, não havíamos percebido o que agora se exibia à nossa vista, uma pequena pitangueira que mal chegava aos nossos joelhos. Ela se resumia em uma única haste que lhe servia de tronco, frágil e oscilante ao vento, e que nos encantou por sustentar uma única pitanga, no alto, e que se destacava por sobre as poucas folhas. A fruta, bem maior que qualquer uma das que havíamos colhido no outro pé, era de um vermelho intenso, e parecia ser apetitosa. Nos ajoelhamos para podermos ver melhor essa pequena pitangueira que parecia nos ofertar o seu único e talvez primeiro fruto. Lembro-me de termos falado dos encantamentos que a natureza nos provocava, e este era um desses maravilhosos encantamentos, algo que tanto nos enternecia. Entre outras coisas, eu disse à Leonor que essa pitanga não deveria ser colhida, pois pareceria uma agressão a tão pequena pitangueira, e que talvez quisesse ela manter para si esse único fruto. No entanto, por Leonor ser mais prática e ousada do que eu, antes que pudesse atinar ao que ela fazia, num único gesto colheu a fruta, e disse que pensava diferente, que achava até que a pequena pitangueira se sentiria ofendida por termos recusado o seu fruto, que as plantas existiam para ofertarem seus frutos a todos os outros seres que deles se alimentariam.
Depois, sorrindo o seu sorriso maravilhoso, delicadamente levou a pitanga à minha boca para que eu mordesse a metade. Assim fiz. Era suculenta, doce como o gesto dessa menina. Leonor comeu a outra metade, e também adorou. Em seguida, reteve o gesto de jogar fora a semente. Guardou-a consigo dizendo que escolheria um bom espaço no pomar próximo à sua casa, e lá plantaria a semente e cuidaria da planta que dela nascesse, e que ainda comeríamos dos seus frutos. Eu não tive dúvida alguma de que Leonor assim faria, e isso aumentava em mim a admiração que sentia por essa pequena.
Porém, ainda não estávamos satisfeitos, e rumamos para a outra pitangueira. Leonor caminhou na frente, em silêncio. Lá chegados, enquanto comíamos as frutas, ela ainda manteve-se quieta.
Percebi que ela me olhava com o canto dos olhos, como que a sondar-me. Depois, num repente, disse que já estava decidida, que já havia conversado com sua mãe, que sua mãe achava que ainda éramos crianças, mas, que ela, Leonor, não pensava assim. Eu olhava para Leonor e nada dizia, não entendia do que ela estaria falando. Depois desse quase rompante, calou-se e olhou-me de maneira intensa. Seu gesto seguinte foi buscar dentre as frutas a que lhe parecia a melhor. Colheu-a, e repetiu o gesto anterior de levar-me a fruta à boca, desta vez dizendo que essa fruta era somente minha, que a saboreasse inteira. Enquanto eu comia a fruta, Leonor olhava-me e parecia se divertir com isso. E queria saber se eu havia gostado. Eu disse que sim, que era uma fruta deliciosa.
Então, sem desviar os olhos dos meus, Leonor disse que se casaria um dia, mas que somente se casaria se fosse comigo, que era disso que ela havia conversado com sua mãe, que não se importava por sermos ainda crianças, e que quando crescêssemos, era comigo, sim, que ela se casaria, era comigo que queria viver toda a sua vida, e que seríamos felizes.
Enquanto ela dizia essas coisas eu apenas olhava para essa menina encantadora, e mesmo sem ter em momento algum pensado nessas coisas, surpreendi-me pensando que seria mesmo maravilhoso compartilhar minha vida com Leonor.
Creio que devo ter-lhe frustrado um pouco, pois nada lhe disse desses meus pensamentos, pois ainda eu me via um menino interessado apenas nas coisas de menino. Entre outras coisas, jogar futebol, empinar papagaio, jogar bolas de gude, pescar, fazer touradas de bezerros quando ia à casa de amigos que moravam no campo, as correrias pelos prados, as longas brincadeiras de salva-pega, e tantas coisas que eu adorava fazer e que me ocupava o tempo todo, e as fazia com imenso prazer. Para mim, casamento era algo que jamais havia passado por minha cabeça. Portanto, em algo éramos muito diferentes, assim pensei, mas sem deixar de sentir algo de estranho a aquecer-me o peito, sem saber o que isso era, pelo menos nesses instantes em que ouvia Leonor falar por nós dois. Creio, porém, que Leonor me conhecia e compreendia, e dava-se por satisfeita por também pensar por nós dois, se o assunto era casamento.
Num dado momento ela se calou, e fitava-me ostentando um sorriso delicioso, sem malícia, terno, talvez. Eu ainda me servia das pitangas. E em breve momento depois, disse-lhe que estava com sede.
Leonor disse que ela também. Tomou-me a mão, dizendo que iríamos beber água. E tomamos um caminho diferente daquele pelo qual havíamos chegado a esse lugar.



Um comentário:

Lia disse...

Chronos é o máximo, continue escrevendo que daqui a pouco vai dar num livro.
Um Beijo