segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Chronos, devorador de vidas e de sonhos – 17

(Parte 17)


Caminhamos por algum tempo na direção do sol, desviando de arbustos, transpondo cercas, e sempre ao longo de um suave declive. Por fim, nos deparamos com uma imponente sebe que se entendia à direita e à esquerda, uma ondulante muralha verde que aparentava ser intransponível. Leonor arrastou-me para o sul, e caminhamos ao longo da sebe, seguindo o trilho formado pelos animais. A sebe, um tanto mais alta que nós, protegia-nos do sol.

Leonor disse que, quando suas famílias chegaram a essa região, essa sebe já existia. Do outro lado havia um vasto alagado formado por inúmeras nascentes de água. Pelo que sabia, um antigo fazendeiro da região mandara erguer um consistente e longo tabuleiro de terra contornando todo o alagado, e que sobre esse tabuleiro mandara plantar a sebe, para que os dois protegessem as nascentes de água que formavam o alagado, das enxurradas que desciam o declive, e que também impedissem que os trilhos formados pelos animais descessem direto para o alagado, e que com o passar do tempo e de muitas chuvas, poderiam se tornar imensas voçorocas. Lembrei-me de comentar que, na medida em descíamos o terreno, havíamos passado por alguns longos tabuleiros de terra, semelhantes a esse sobre o qual crescera a cerca viva. Leonor disse que os caminhos sulcados pelos animais em suas descidas na busca pela água, somente não se tornaram valetões, justamente por causa dos tabuleiros pelos quais passamos. Lembro-me de ter admirado tamanho cuidado, e zelosa providência desse fazendeiro. Que outros, não tão cuidadosos, permitiam quase que desastres naturais em suas terras.

De tanto falarmos em água, a sede, provocada que foi, tornava-se incômoda. Pensei em que fora temerário não ter-mos trazido uma reserva de água, o que depunha contra Leonor que sempre era tão cuidadosa. Pensei, mas não falei a ela, a não ser dizer que estava com mais sede ainda. Ela riu, e disse que também estava sedenta, e que logo chegaríamos a um lugar onde pudéssemos nos fartar.

De fato, ao vencermos uma suave ondulação da sebe, para a direita, percebi que logo adiante, justamente quando o terreno todo era mais plano, a sebe era interrompida, cedendo lugar a uma cerca de arames que continuava a proteger o alagado, a qual Leonor disse que transporíamos. Assim fizemos. Caminhamos sobre um relvado macio, por pouco mais de uma centena de metros, e chegamos a um pequeno e límpido regato. Eu ia lançar-me a beber água, quando Leonor arrastou-me para irmos um pouco mais adiante, pois queria mostrar-me algo. Fiz enorme esforço para ceder, e o fiz porque era essa doce criatura que mo pedia. A sede torturava minhas entranhas, mas Leonor era um encanto que me inebriava, e eu adorava saciar-me da sua presença.

A poucas dezenas de metros, caminhando contrário ao regato, um maravilhoso capricho da natureza. A água descia um breve declive, tão suavemente, que mal produzia rumorejos. Leonor, indicando para que eu ficasse onde estava, saltou para o outro lado, deitou-se na relva ao longo do regato. Seu ombro direito quase tocava a água. Na posição em que estava, mergulhou o queixo na água que escorria, até que pudesse sorver quanta água quisesse. Após um gole, ergueu a cabeça, sorridente, dizendo-me para fazer o mesmo. Imitei-a. Antes que pudéssemos saciar a sede, Leonor estendeu o braço por sobre o regato e pediu-me para pegar sua mão. Assim fiz, e pudemos então beber a vida, tendo no peito uma agradável sensação de liberdade, de quase animalidade.

Era delicioso estarmos ali, prenhes de natureza.

5 comentários:

Anônimo disse...

Só para deixar um beijo, a minha vida tem andado um bocado atribulada, mas para comentar o que escreve tenho de o ler como se de um livro se tratasse, por isso volto depois á sua sala, sento-me como sempre, sinto-me confortável e leio tudo com a calma que me merece.
Um beijo

Anônimo disse...

Olá cá estou eu! acabei de entrar na sua sala... com aquela calma que aqui se vive e se respira.
A imagem que antecede o texto não sei se é mais uma das suas pinturas belissímas, penso que sim, pois encaixa perfeitamente nas suas palavras é como um outro mundo existisse para além daquele fenda... quem sabe uma vida renovada, um luz no fundo do tunel...
Até eu fiquei com sede depois de o ler e caminhar o seu percurso com a doce Leonor, apreciei o carinho com que os fazendeiros os mais cuidadosos protegeram suas terras e amei o lugar que Leonor "escondeu" para saciar sua sede, penso que nesse instante houve muito mais do que sede de água, houve uma cumplicidade e um companheirismo enorme, houve um encontro com a felicidade...
Um beijo e adorei o seu abraço.
Deixo aqui um xi-coração apertadinho, sentiu?

Lia disse...

ei, Chronos merece ser um livro.
cada capítulo é de uma doçura que merece ser publicada.
Paz e Luz

Anônimo disse...

Oi meu querido amigo,

Hoje estou passando por aqui apenas para te desejar um lindo fim de semana e uma semana cheia de luz em teu coração, me desculpa, mas estou bastante em baixo de saúde, logo que poder virei cá para estar mais tempo contigo.
Obrigado por tudo sempre.
Xi - corações mil.

david santos disse...

Olá!
EFevilha, para quando livro? Não deve demorar. Espero que o tenhas nas bancas lá para o Verão. Pois quero que este livro faça parte de mim por essas, neste caso, estas praias de Portugal.
Espero por mais capítulos. Já não devem faltar muitos...
Parabéns.