terça-feira, 28 de março de 2006

Odioso!

Sim, odioso. Falo do documentário "Falcão – Meninos do tráfico", tão corajosamente produzido por MV Bill. Odioso não é o documentário em si. Odioso é o que ele nos lança na cara. Coisa já sabida há tanto tempo. É um documentário da miséria, da pobreza, e da podridão da nossa estrutura social, ávida em produzir situações miseráveis das quais temos tanto a nos envergonhar. Aqueles meninos freqüentaram uma escola que não sabemos, ou não queremos imitar, e naquela escola obtiveram sucesso. E que sucesso!
A iluminada Mestra e Doutora Bia, minha orientadora no Mestrado, soma a outras vozes, a sua, para dizer que as nossas Escolas e Colégios precisam, urgentemente, fazer de cada aula, um acontecimento. Algo tão raro de acontecer. Esses espaços devem criar acontecimentos, devem produzir algo de diferente nas crianças, adolescentes e jovens estudantes desta era de tão rápidas mudanças, para que eles amem ir às escolas. É preciso que elas voltem para suas casas falando da “adrenalina” que as seduziram, que as extasiaram nos acontecimentos escolares.
Nas noites das favelas, os “meninos do tráfico” vivenciaram acontecimentos. Ao invés de lápis e canetas, empunharam armas de todos os calibres. Como num trabalho de Arte, prepararam os “papelotes” com toda sorte de drogas. Vendendo-as, levaram para suas casas R$ 300,00 a R$ 500,00 reais. Muitas vezes mais que muitos pais e mães de família que trabalham o dia inteiro, e ganham muito menos que isso. Esses “meninos” defenderam seu território dos grupos rivais e da polícia. Aprenderam as duras leis de um estado encravado dentro de um Estado que se diz de direito. Tanto o fizeram, tantos acontecimentos vivenciaram, que vivenciaram o mais crucial e definitivo acontecimento de uma vida: a própria morte.
Dos dezessete meninos que apareceram no documentário, quando este foi ao ar, dezesseis deles já estavam mortos. O único que restou, que ironia, que gozação do destino. Seu sonho é ser: palhaço. Um palhaço daqueles que leva o riso e as gargalhadas aos espectadores dos circos. Esse garoto quer ser um palhaço, talvez como um daqueles tantos que me fez ir às gargalhadas na minha infância, e ainda hoje o fazem. Não me lembro do nome de um deles, mas lembro-me do drama que um deles viveu. Recém chegado à cidade em que eu morava, o circo anunciava o espetáculo para aquela noite. Aconteceu, porém, que a esposa do principal palhaço, naquele dia, teve o parto de um filho natimorto. Toda a trupe foi ver o “anjinho”. Eu, e outras pessoas da cidade, também lá estivemos. Lembro-me da comoção de todos. O circo teve função naquela noite? Teve sim senhor! E não sei com que coração, não sei com que força estranha essa que emana do espírito humano, mas o palhaço nos fez rir como jamais havíamos rido de um palhaço.
E nós? Palhaços: entre o valor denotativo e conotativo dessa palavra, ainda nos vemos ser feitos de palhaços pela classe política dirigente deste país, capaz de dançar à nossa frente, pela televisão, num gesto de aviltante insulto e desafio.
Que esse jovem que sonha em ser palhaço, brilhe nos picadeiros verdadeiros do mundo real do circo, pois o que temos no dia a dia da política praticada no nosso país, é coisa de novela grotesca escrita por algum maluco qualquer, que nos quer a todos fazer de palhaços.

Nenhum comentário: