sexta-feira, 19 de maio de 2006

Um pontinho qualquer?


Denuncio!
Eis, de corpo inteiro, a minha cúmplice.
Cúmplice numa aventura de mil e um dias e igual tanto de noites, indefiníveis, pois que indefinível é o mistério que oculta a eternidade. Assim, enquanto matéria, eu, e ela, pactuamos nossas existências como sendo eternas.
Juntos, cada ínfima partícula de mim, cada átomo que a compõe, juntos, fomos protagonistas do surgimento do cosmo, do universo em expansão. Grande feito, para uma dupla tão pequena!
Ela, é claro, já existia por inteiro antes de mim. Num dado instante, emprestou a meus pais algumas das suas partículas que, unidas no útero materno, iniciaram a saga de construir-me enquanto Ser. A partir daí, cúmplice generosa, partícula por partícula, foram-nas emprestando a mim até eu chegar ao que sou hoje, enquanto matéria. Cósmica, resplandecente de vidas, de inumeráveis vidas, também foi generosa com a minha alma à qual sempre se comunicou por meio de infinitos signos. E, assim, cumpria-se, cristalizava-se, a nossa cumplicidade no ato de viver.
Quando a vejo, assim, por inteiro, eu a vejo corpo e alma num planeta tão belo. Mágico, como em O Pequeno Príncipe.
Eu, no mágico momento em que essa imagem foi congelada como registro sígnico, estou ali, invisível, pois que, diante dela sou apenas uma partícula. Mas estou ali, nem que seja no outro lado não banhado pela luz, pois que de dias e de noites, nos saciamos na indecifrável fonte do tempo, de outro tempo, que não se conta em giros e rodopios em torno da tocha ardente do rei sol. Apenas nos banhamos em sua luz, e a partir da sua luz nos revelamos. Vida! E, juntos, protagonistas da existência, nos unimos a um sistema solar, e bailamos, bailamos, em cósmicos rodopios.
Ela? Um pontinho. Uma esfera azulada, embalada num dos braços de uma das milhões de galáxias espalhadas por aí! Sem luz própria, ela se revela à luz do sol. De outras estrelas, de outros sóis, será ela percebida? A mim, sei que não, eis que sou apenas partícula.
Somos, ambos, um pontinho qualquer numa viagem cósmica sem um destino certo onde ir. Um contido no outro. Eu, invisível entre as texturas, matizes, tons e cores que a compõe. Ela, resplandecente jóia de inigualável beleza, fazendo sua dança mágica que pactua com o devir da vida.
Eu, um pontinho, num certo tempo, é certo, me desfarei, serei partículas dispersas, prontas para um novo o que der e vier. Não importa! Vivi em cumplicidade, de vida, com essa esfera azulada e bela.
Ela? Resistirá, ainda, aos tempos. Creio que sim, ainda!
Mas, temo por minha cúmplice. Pois que ouço seus silenciosos lamentos, leio cada sinal de dor que a cada momento a agride, a fere, e a faz pôr-se em perigo. Ouço seus lamentos, seus pedidos de socorro, talvez nunca ouvidos ou compreendidos, por outros pontinhos como eu.
Pois, que, eu, partícula, não estou só nessa imagem tão bela. Bilhões de outras partículas há. Às vezes, partículas virais que não a tem como cúmplice, mas, sim, como seara onde espojar a ganância sem fim.
Temo por minha cúmplice! Perderá ela, um dia, seu tom azulado, sua cor? Se desfará, ela, como é certo que me desfarei?

Para que palavras? Por que tentar dizer em palavras, o que sinto quando vejo essa imagem tão bela que, azul, bela, por inteiro se revela? Posted by Picasa

Um comentário:

Carlos disse...

Olá Evaristo

Linda essa sua cumplicidade. Tocante, mesmo.
Quero agradecer-lhe o belo comentário e a reflexão que deveria fazer cada um de nós ao ler essa sua história(?). De facto, fazemos tanta maldade as nossas queridas amigas que um dia não teremos mais a «quem» fazer mal.
Um abraço ;)