terça-feira, 18 de julho de 2006

Apresentando um amigo - 2

(parte 2)


O segundo, fez parte da minha vida; o primeiro a entrar nela.
Já rapaz, certo dia meu pai chegou à casa dizendo que minha avó teria um presente para mim; que eu fosse buscá-lo. Assim ela exigia. Passaram-se anos desde Campeão, meu avô era falecido, e minha avó morava com um dos filhos, em São Paulo.
Reservei um sábado para isso. Lá chegando, fui apresentado a uma bola fofa do mais puro algodão, com dois olhinhos e o focinho, pretos. Vivaz, brincalhão. Minha avó já havia providenciado uma caixa, com um pequeno orifício em cada lado, para ventilação. Eu dependia de ônibus.
Deveria tomar um no bairro São João Clímaco, onde ela morava, e ir até o Sacomã, e dali tomar outro ônibus que me levaria a Santo André, minha cidade. Assim pensei fazer.
Embarquei no primeiro ônibus. Mal ele entrou na conexão do seria o final da Via Anchieta, o cãozinho resolveu manifestar-se. Prontamente o motorista encostou o ônibus, e sem saber a quem, disse que era proibido o transporte de animais. Desci, desculpando-me.
O mais sensato seria voltar à casa da vovó, que ficava muito mais próxima, lá deixar o animalzinho, e providenciar outra forma de levá-lo à casa. Preferi o desafio, e não me fiz de rogado.
Numa das laterais mais estreitas da caixa, alarguei o buraco, onde prontamente surgiu o focinho e dois olhinhos vivazes, que dali não se afastaram até chegar em casa. Se tirou algum cochilo, foi ali mesmo. Ele descobria o mundo, pensava comigo, e fazia-lhe agrados.
Para quem conhece a região Metropolitana de São Paulo, sabe o que fiz. Desci até o final da Via Anchieta, no Sacomã, e dali tomei a pista na direção de São Caetano do Sul. Atravessei essa cidade e mais três bairros de Santo André, até chegar ao meu bairro e à minha casa.
O pessoal confessou-se preocupado com a demora. Expliquei o que aconteceu e me acharam doido. Quando retirei o pequeno da caixa, começaram a perceber que tinha valido a pena. Ele se sentiu em casa.
A primeira coisa que fez foi esvaziar a bexiga, deixando abaixo de si uma enorme poça. Pontos para o pequenino. Depois de tanto tempo, a caixa estava seca, e com isso ganhou nossa admiração. A partir daí, demonstrou-se cuidadoso quanto aonde depositar seus excrementos.
Foi-lhe apresentada uma vasilha com leite morno, que sorveu rapidamente. Depois, sua ocupação foi a de mostrar ao que viera. Brincar com todos da casa, e escolher os chinelos da minha mãe como algum intruso no seu “novo território”, e tentar espantá-lo com seus latidinhos. Foi uma graça. Não resistiu por muito tempo. Cedeu ao sono, enfim. Numa pequena e velha bacia de plástico, foi-lhe improvisada a caminha.
Quem mais ficava com o cãozinho era minha mãe. Ela que o tolerava a enroscar-se aos seus pés, e ir aonde ela fosse. Brincava, rosnava e latia para os seus chinelos, e a divertia com isso. Ela, ao descer alguns degraus para ir à lavanderia, não precisava ajudá-lo, pois ele os descia aos trambolhões. Para subir, claro, ela o levava consigo até depositá-lo no chão plano. Assim construíram sua amizade. Zelosa amizade.
Foi dessa convivência que, nos primeiros dias, recebeu o nome: Banzé. Nada a ver com o peraltinha das histórias em quadrinhos e do desenho animado. Era Banzé no sentido de bagunceiro, mesmo, como dizia minha mãe.
Foi um bom amigo de todos da casa, dos meus sobrinhos, que freqüentemente nos visitavam.
Dos banhos semanais, quem deles se ocupava era meu pai, que o trazia reluzente na sua brancura.
A única pena era o espaço, sempre reduzido. Bem ao contrário do Campeão que parecia ter o mundo à sua disposição, mas que pouco arredava os pés de onde vivia sua matilha humana.
O Banzé foi animalzinho bem cuidado, e estimado pela sua índole alegre, vivaz, sempre disposto a uma brincadeira, e obediente nas horas necessárias.
Morreu de velho, sem nunca ter conhecido a velhice. Assim era esse meu primeiro cãozinho.
Pena que as fotos dele se perderam. Puro branco no preto. Posted by Picasa

Um comentário:

Anônimo disse...

Evaristo,quero te agradecer por passar em minha utopia que faço com muito carinho e verdade,e deixar um recado tão legal!
Sim,precisamos acreditar em dias melhores e defender nosso país e América Latina em geral!
Obrigada mesmo,vc é mais um artista desses espalhados pelo Brasil!
Um super abraço e até mais,boa sorte!