quinta-feira, 20 de julho de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos. (6)

(Parte 6)


Terminado o café, eis que Leonor convida-me a segui-la.
Pegando apenas uma velha manta de encilhamento e uma boa espiga de milho do paiol, levou-me a um pasto um pouco retirado. Ali chegados ela chamou por um nome que me escapa da memória. Assomou por de trás de alguns arbustos uma égua, branca, salpicada de pequenas manchas acinzentadas, crina longa, um belo animal. Leonor debulhava a espiga de milho, e o animal devorava os grãos, com prazer, retirados da cova da sua mão. Depois, com apenas um leve toque de mãos, Leonor conduziu o animal até próximo a um tronco por ali caído; jogou a manta sobre o lombo da égua e montou-a. Acenou para que eu fizesse o mesmo, na garupa.
Assim, sem cabresto e rédeas, ela conduzia o animal na direção que queria, apenas pressionando uma das mãos no pescoço do animal. Fiquei encantado com essa intimidade. Íamos a passos lentos, sem pressa de chegar a lugar algum. O prazer era estarmos juntos, e Leonor a tudo que via, apontava e falava. Assim fomos até atingirmos um ponto no alto de uma colina. Havia uma cerca de divisa, terminavam ali as terras das suas famílias.
De onde estávamos o horizonte parecia distante. Uma bela paisagem estendia-se à nossa frente. Ela apontou-me numa direção. Ao longe, vislumbrei um enorme e decadente casarão. Um pouco retiradas, havia duas linhas de muitas moradias. Mesmo daquela distância, percebia-se que a maioria estava em ruínas. Ali mesmo Leonor contou uma breve história desse lugar.
Naquele casarão habitara, num passado não muito distante, uma das famílias mais abastadas da região. Haviam sido proprietários de um extenso cafezal, e criação de milhares de cabeças de gado. Todas aquelas casas haviam sido ocupadas por colonos agregados que de tudo cuidavam. Uma crise com o café, e uma tragédia acontecida com a família, da qual não sabia exatamente o quê, em poucos anos levou a família a uma ruína irrecuperável. Aos poucos foram se desfazendo de partes das vastas terras que possuíam. Aquelas, agora pertencentes às suas famílias, fora uma fazenda desmembrada e vendida. Adquiriram essas terras do novo dono que delas se desfez para ir para outro Estado, em busca de terras mais vastas. A fazenda antiga, da qual o casarão havia sido uma rica sede, era o que se via agora. Os remanescentes da antiga família ali ainda moravam quase que num regime de subsistência. Nunca mais se reergueram. Eu, enquanto Leonor narrava essas coisas, lembrava-me do que o tempo fizera com a minha família, dos sonhos ligados à terra, desfeitos.
Dali saímos. Ela queria mostrar-me algo mais. Um pequeno rio que praticamente fazia divisa com suas terras. Ela gostava de ir lá pescar, dizia. Por causa da falta de chuvas, dizia, nesta época em que estávamos nenhuma pescaria seria boa, mas, mesmo assim, ela queria mostrar-me seus lugares preferidos.
No caminho, de repente, Leonor fez o animal parar. Furiosa, descendo do animal, dizia que seus primos a achavam boba, pensavam que a enganavam. Vi-a encaminhar-se na direção de umas moitas de capim. Ali, abaixando-se, ela libertou um nhambu que fora aprisionado numa arapuca. Esta ela a destruiu. Dizia querer ver a cara dos seus primos. Ela não admitia que eles fizessem essas armadilhas. Os animais, as aves, tinham direito de serem livres. Os primos diziam que gostavam de comer dessas aves silvestres, que as caçavam para comerem. Leonor, realmente furiosa, dizia que eles tinham muitos frangos gordos nos quintais, além de outros animais que lhes bastavam para se alimentarem.
Surpreendi-me com sua pergunta direta, se eu já fizera isso alguma vez, se capturara animais com arapucas. Respondi que não, e dizia a verdade, mas não lhe revelei que, enquanto morávamos na última fazenda, adorava acompanhar meu pai nas suas caçadas domingueiras. Saíamos bem cedo, e voltávamos com o embornal repleto de aves abatidas, que eram preparadas para o almoço. Deliciosas, como minha mãe as preparava. Naquele tempo, para mim era normal; eram aves semelhantes às que tínhamos em casa, embora vivessem na natureza.
Creio que foi ali, naquele instante, e plantada por Leonor, uma fecunda semente que faria com que eu viesse a adquirir um profundo, quase sagrado respeito pela Natureza que até hoje medra na minha alma.
Depois de vermos o rio, voltamos. O almoço já estava servido Posted by Picasa

3 comentários:

Alvaro Gonçalves Correia de Lemos disse...

Oi amigo,

Amei, esta 6 parte de chronos, nossa como me emocionei, achei lindo, senti-me levado contigo a esse maravilhoso lugar.
Adorei amigo.
Obrigado.
Aproveito para te desejar um fim de semana lindo e uma semana maravilhosa cheia de luz e encantos em teu coração.
Xi - corações mil.

Zana disse...

Uma verdadeira viagem no tempo e no espaço...

Obrigada por me mostrares que o amor é bonito e possível =)

Beijos

poeta_silente disse...

Olá!
Pulando de lá para cá, aqui cheguei. Que maravilha. Voamos com tuas palavras, adentramos nas paisagens e nos acontecimentos. gostei demais. Voltarei por aqui para ver mais coisas.
Parabéns.
Miriam