sábado, 1 de julho de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos. ( 4 )



( Parte 4 )

Fomos, afinal. Tudo acertado antes, numa sexta-feira, chegando um pouco antes do anoitecer, meu pai retirou o engradado da carroça, lavou-a, e a preparou para sairmos na madrugada de sábado. Um amigo, vizinho, se prontificou em fazer a entrega das aves e ovos ao caminhão que viria na tarde desse sábado.
Saímos algum tempo antes do sol nascer. Na medida em que nos afastávamos da cidade, clareando o dia, ficamos sabendo o quanto meu pai era querido e reconhecido. Não raramente, principalmente com os moradores mais próximos da estrada, a parada era quase obrigatória. Assim que o reconheciam, paravam-nos, e ali eram gastos alguns minutos de apresentações e rápido bate papo e, às vezes, pelo menos, uma xícara de café. Até novas encomendas surgiam. Tantas paradas fizemos que chegamos ao destino num horário próximo do almoço. Víamos, o quanto meu pai ia longe.
Fomos recebidos num clima de festa, com todas as famílias reunidas, que confessaram estarem apreensivas com a tardança da chegada. Houve de imediato uma empatia muito grande. Havia desde crianças ainda de colo a quase rapazes e moças. Os adultos se ocuparam dos meus pais, tratando-os como de casa. Meus irmãos logo se adaptaram aos zelos educados com que foram recebidos pelos da sua idade. Comigo aconteceu algo diferente. Seu nome, Leonor.
Praticamente da minha idade, tinha os olhos vivazes, de um castanho claro; um sorriso fácil, encantador; os cabelos, levemente ondulados e cortados um pouco acima dos ombros, eram alourados e emolduravam suas faces de traços delicados. Um encanto de menina perdida naqueles confins de terra. Entre nós aconteceu um fascínio mútuo. Apesar de haver meninos da minha idade, foi ela quem se ocupou de mim, o que fez com que surgisse uma franca e doce amizade e, depois, cumplicidades.
Mal acabadas as apresentações, assim que pode, ela segurou-me pela mão e praticamente arrastou-me. Dizia estar ansiosa para mostrar-me algo. Agora livres, corremos por um caminho que cortava um grande e belo pomar, comum a todos. Ao sairmos do pomar ela parou. Fiz o mesmo. Quase sem fôlego, com o indicador da mão direita ela apontou-me algo que estava um pouco à distância, num declive de uma colina voltado para nós. Olhei extasiado. Lá estava o mais belo exemplar de ipê-amarelo que eu jamais vira, em plena floração. Justamente a árvore que eu mais adorava ver florida, e da qual hoje tenho dois exemplares no meu quintal. Pelo caminho, claro que eu havia visto vários exemplares, também floridos, mas inigualáveis a este que se mostrava exuberante. Aproximamo-nos. No chão, já começava a se formar um tapete amarelo ao redor do tronco, formado pelas flores mais velhas, caídas. A floração, de tão densa, mal permitia ver nesgas do céu do outro lado da copa da árvore. Leonor disse que ela jamais florira assim, por isso a sua ansiedade em mostrá-la, pois a achava a árvore mais linda que existia. Começavam por aí todas as nossas cumplicidades nos gostos e prazeres no que fazer juntos. Uma leve lufada de vento fez cair algumas flores, e Leonor disse que, se pudesse, faria algo para que nunca essa árvore perdesse uma flor sequer, então ela seria sempre assim, florida e bela. Lembrei-me de algo que acontecera comigo na escola. Numa aula de desenho, eu havia criado um bem elaborado tronco de árvore. Sua copa, toda amarela, matizada, contrastava com o chão verde das gramíneas. A professora, vendo o desenho, replicara se as folhas não deveriam ser verdes. Mostrei-lhe, no alto da folha, o título: Ipê-amarelo florido. Quando o devolveu, logo abaixo da nota máxima, um elogio: Parabéns! Um belo desenho! Saudosa professora Judite.
Nesse instante, assomando do caminho que vinha pelo pomar, um dos primos de Leonor nos chamou para o almoço que já estava servido. Posted by Picasa

Um comentário:

Ana Martins disse...

Ipês são realmente árvores muito bonitas.
Como você achou meu blog eu não sei, mas fico feliz em ter achado. Já tive muita facilidade em me expressar com palavras, habilidade que por algum motivo perdi. Gostei muito dos seus textos e do jeito que você lida com as palavras. Voltarei mais vezes aqui.

Desenharei mais, com certeza. É o que pretendo. E sem ser sarcástica nem maligna. =D

Té mais!
Ana