quinta-feira, 20 de abril de 2006

Apenas uma reflexão!

Observe o espaço em branco aí ao lado. É uma foto digital de uma tela para pintura, com as dimensões originais: 50 x 70 cm. Propositadamente a postei na posição "retrato".
Por favor, observe esse espaço e, pense. Pense!
É espantoso, não é? É instigante, é algo mágico e ao mesmo tempo preocupante estar diante de um espaço semelhante a esse, o qual oculta, ou oferta, um devir infinito. Sim, pois esse espaço permite que o preenchamos com formas infinitas. E também são infinitas as possibilidades das texturas, dos tons e dos matizes de todas a cores.
É algo assustador, se pensarmos com profundidade de propósitos.
Nesse espaço caberia Estudo a partir do retrato do papa Inocêncio X de Velasques, 0bra de Francis Bacon na qual destaca as profundezas abomináveis da psique humana; caberia As três idades do homem e a Morte, de Hans Baldung, numa alegoria do que nos faz o tempo; caberia Piedade, de William Blake, retratando uma passagem de Shakespeare, em Macbeth; caberia Primavera, de Botticelli, traçando em linhas graciosas as túnicas das Três Graças; caberia Uma alegoria de Vênus e Cupido, de Bronzino; caberia A dúvida de Tomé, de Caravaggio; A Natividade, de Corregio; caberia o surrealismo de Salvador Dalí, tal qual em o Sono; a graciosidade de O ensaio, de Degas; O casamento dos Arnolfini, de Van Eyck; a dramaticidade de Judite e Holofontes, de Gentileschi; o trabalho quase que de escultor de Van Gogh em Girassóis; Jacó recebendo a capa de José, de Guercino; o enigma Mona Lisa, de da Vinci; As respigadeiras, de Millet, A Madona, de Munch; a delicadesa de Dagmar, de Zorn.
Isso, apenas para fugir da redundância de citar as inumeráveis obras geradas pelo espírito humano, e registradas em espaços semelhantes a esse, em maior ou menor proporção.
É sabido que, em muitos trabalhos, por algum motivo, autores simplesmente fizeram uma outra obra sobre outra já acabada. Eu pinto, e já fiz isso. Já vi inúmeras telas as quais serviram a esse propósito: ser a base de mais de uma idéia expressa através de formas e cores. Refaz-se, ou se faz algo diferente, e pronto.
Então eu penso!
Num determinado momento crucial da nossa existência, reebemos algo semelhante à tela acima. Esse algo, podemos denominá-lo de mente, alma, entidade, espírito. Que talvez até já venha com algo virtual e semelhante ao "sistema operacional" de um computador, que o habilite a funcionar, mas, que nos vem em branco.
Se diante de uma folha de papel em branco que a mim, poeta, emociona; ou mesmo diante do branco de uma "tela" de computador como esta que agora estou compondo, me emociono, fico em estado de espanto quando penso na nossa alma, assim que a recebemos, em branco, e em como ela está agora quando já a preenchemos até este momento da vida.
Sobre uma tela para pintura, podemos facilmente aplicar outras pinceladas e, no final, teremos algo novo. Uma folha outrora branca, mal escrita, lançamos ao lixo, e retomamos outra branca e recompomos o que queiramos expressar. Se na "tela" do computador, fizermos algo de que não gostemos, deleta-se, faz-se algo, talvez melhor, e pronto. Quantas vezes quisermos.
Mas, e com a nossa alma? Na maioria das vezes não há como voltar atrás e refazer algo que não devíamos ter feito; não há como voltar atrás e redizer uma palavra ou refazer uma ação que tenha ferido alguém a quem amamos e perdemos; com a alma, na maioria das vezes, não dá para repintar algo por cima do já feito, e dizer que está tudo bem.
E é interesante: quanto mais o tempo passa, mais gostaríamos, talvez, de voltar no tempo e fazer ou dizer coisas de um modo diferente, que não precisasse de retoques ou de consertos no futuro.
Por isso, se eu vejo com espanto, com assombro, as infinitas possibilidades contidas no espaço de uma tela em branco, maior espanto e assombro há, quando penso na nossa pobre e sempre inconclusa alma. E, repito, é assombroso, não é?
 Posted by Picasa

Nenhum comentário: