quinta-feira, 1 de junho de 2006

Chronos, devorador de vidas e de sonhos.

Parte (2)



Elas vieram logo. Sem ânimo para replantar o cafezal, o que demandaria anos, meu pai arrendou umas terras numa fazenda chamada Guariroba, devido à profusão de um tipo de coqueiros ali existentes, e ainda mais longe da cidade.
Era um lugar repleto de belezas naturais. Embora no começo despertasse medo, este aos poucos foi-se desfazendo, pois o lamentoso uivar noturno dos lobos que lá haviam, passaram a fazer parte das nossas vidas. Tantos animais silvestres ali haviam, que não eram raros os encontros casuais com estes. Apenas redobrávamos os cuidados com os animais domésticos.
Ali minha família plantou arroz, feijão, milho e, por final, algodão. O trabalho era duro e todos nele se envolvia. Eu próprio, ainda pequeno, tinha as minhas tarefas, e as fazia com alegria, pois que ali, apesar do muito trabalho, parecíamos felizes. As safras de arroz e feijão foram generosas; a do milho, calculada para o gasto com os animais domésticos, enchia o paiol até o teto. O algodão veio depois.
Terminadas as tarefas do dia, e depois de jantarmos cedo, usando cadernos, lápis e cartilhas trazidas da cidade, sob a luz de lamparinas, meu pai alfabetizava meus irmãos. Por fim, algumas crianças da vizinhança, também. Com ele, eu ainda pequeno, e por curiosidade, aprendi as minhas primeiras letras. Para ensinar-nos, ele usava a pequena lousa que fazia anos estava com a família. Eu me encantava com as formas que surgiam nessa lousa, ao rabiscar do estilete do mesmo material. Das cartilhas surgiam estórias que também me encantavam. E delas, talvez inventadas, outras estórias apareciam contadas por meu pai, às vezes por meu irmão. Minha mãe adorava incluir histórias, estas verdadeiras, que que falavam de parentes e velhos conhecidos seus, velhas reminiscências trazidas pela saudade. Assim era, até que o sono prevalecia.
Outros momentos de encanto surgiam quando meu pai, nas espaçadas vezes que ia à cidade, de lá trazia cartas de parentes que moravam distantes. Acontecia um momento solene. Toda a família reunida, ele, com a voz pausada, com entonação até hoje presente na minha memória, as lia para nós. Aconteciam momentos de risos e muita alegria, outros de emoção causada pela saudade. Havia um fascínio nisso tudo. Intrigava-me saber que pessoas que eu jamais tinha visto, falavam de cada um de nós, de como estávamos, até meu nome ali aparecia. E vinha o final com as palavras carregadas de sentimentos e de saudades. Às vezes, dependendo de quem a carta provinha, eu via minha mãe enxugar lágrimas silenciosas que lhe escorriam pelas faces.
Depois, a cada um de nós era perguntado o que queríamos dizer em resposta. Diligente, meu pai escrevia a carta, e depois a lia para nós, para ver se tudo estava como queríamos. E pelos meios que pudesse, as fazia despachar. Tudo isso produzia em mim um fascínio indescritível. Havia um mundo lá fora que eu desconhecia, e isso alimentava as minhas fantasias, meu imenso desejo de conhecer esse mundo transportado por palavras.
Fomos felizes ali. Mesmo com a saudade que sentia dos parentes distantes, era delicioso ouvir minha mãe envolvida nas tarefas domésticas, mesmo tendo que ajudar na dura lida nas lavouras, cantar suas canções preferidas.
Porém, pouco tempo pudemos ficar ali. Na primeira e única cultura do algodão, na qual meu pai renovava esperanças de ter bons lucros, veio o aviso do dono da fazenda de que queria toda aquela área para convertê-la em pastagens. Lembro-me. Nós, colhendo o algodão, e os homens contratados pelo fazendeiro fazendo o plantio do capim. Posted by Picasa

Um comentário:

Alvaro Gonçalves Correia de Lemos disse...

Oi meu amigo,

Adorei esta segunda parte de Chronos, é linda, cheia de vidas, cheia de saudade e lembranças doces.
Obrigado pela tua partilha.
Aproveito para te desejar um maravilhoso fim de semana e uma semana ainda melhor cheia de luz em teu coração.
Xi - corações mil.